A respeito de línguas, do seu funcionamento e da sua aprendizagem, entre os milhentos vídeos disponíveis na Internet – o serviço do Youtube é o exemplo mais imediato –, existem muitos que exploram, nem sempre com o devido rigor científico, as afinidades lexicais reveladas por dois idiomas diferentes. Às vezes, assemelham-se, porque têm parentesco mais ou menos próximo; outras, sabe-se que não têm relação genética, o que nem por isso os impede de guardar palavras iguais ou muito semelhantes.
É o caso que ilustra o vídeo que aqui se apresenta, do SBS National Language Competition (também acessível pelo Youtube), um concurso organizado pela SBS Radio para incentivar e promover o gosto pelas línguas estrangeiras na Austrália. Neste registo, um falante de português e uma falante de indonésio (a chamada bahasa Indonesia, que significa «língua da Indonésia») descobrem a partilha de uma série de palavras, com pouco ou nenhum contraste fonético. Como é isto possível, se o português nasceu no extremo ocidental europeu e o indonésio se desenvolveu do conjunto de dialetos malaios que se falavam na península de Malaca e se espalharam pelo arquipélago indonésio?
A razão está no contacto ocorrido há cerca de 500 anos, nessa região do sueste asiático, entre falantes de português e os falantes dos dialetos malaios, do subgrupo malaio-polinésia, da grande família linguística austronésia. Foi a presença militar e comercial de Portugal no sueste asiático que impôs às populações locais também certas condições linguísticas, levando a que os seus dialetos absorvessem grande número de vocábulos portugueses. O vídeo apresenta, assim, uma lista de empréstimos feitos ao português, língua que durante os séculos XVI e XVII se usou como língua franca nestas paragens a meio caminho entre o Índico e o Pacífico. São, portanto, mencionadas:
leilão ~ lelang
bandeira ~ bendera
sapatos ~ sepatu
queijo ~ keju
manteiga ~ mentega
Natal ~ Natal
tinta ~ tinta
janela ~ jendela
sábado ~ sabtu
boneca ~ boneka
fita ~ pita
mesa ~ meja
garfo ~ garpu
De toda esta série, o único par discutível é o de sábado/sabtu. Com efeito, é duvidoso que o termo indonésio tenha origem no português, porque pode tê-lo tomado, por exemplo, do árabe sabt, já que, como se sabe, os indonésios receberam forte influência árabe por intermédio da sua conversão maioritária ao Islão.
Convém também lembrar que, das possessões que Portugal detinha na região até meados do século XVII, só restou Timor-Leste, território que continuou integrado no império até aos anos 70 do século passado. Depois de uma anexação pela República Indonésia que durou mais de duas décadas, Timor-Leste é um país independente, membro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
[N.E. (22/10/2019) – Foram corrigidas as referências à denominação da língua indonésia, cujo autónimo, isto é, o nome que os seus próprios falantes lhe atribuem, é bahasa Indonesia, de acordo com o Ethnologue. Também se corrigiu a menção da família linguística do indonésio (cf. Lyle Campbell e Mauricio J. Mixico, A Glossary Of Historical Linguistics, Edimburgo, Edinburgh University Press, 2007, s.v. Austronesian).
Vídeo do SBS National Language Competition, um concurso organizado pelo canal de rádio australiano SBS Radio para incentivar e promover o gosto pelas línguas estrangeiras na Austrália.