« (...) Almece e atabefe: obrigados, senhores árabes, por estas duas palavras tão descritivas de mais esta delícia escondida do Alentejo! (...)»
Hoje o meu lanche foi almece. Nunca tinha provado almece. Não conhecia a palavra. Dou comigo a arranjar maneira de escrever almece outra vez. Almece, almece, almece.
O almece chegou de Évora, da exemplar Queijaria Cachopas, arrefecida com blocos de gelo embrulhadinhos com cuidado. Era acompanhado por um quilo de requeijão.
O almece vende-se ao litro. Um litro custa 3 euros e dá para uma dúzia de bons lanches e pequenos-almoços. Um quilo de requeijão é um bloco gigante que ainda rende mais. Custa 5 euros. O comedimento nos preços é uma característica simpática da Queijaria Cachopas. Vejo também que têm um pequeno jardim zoológico de entrada livre em que os animais andam livres.
O almece é o estado natural do requeijão. O requeijão é o que acontece ao almece quando se aperta para tirar o líquido. O soro coalhado do almece tem uma água deliciosa, prestando-se a sopas de pão. Basta pôr sal e pimenta preta para ficar sensacional.
Os alentejanos gostam de ambivalências. O almece tanto pode ser salgado como docinho. Uma das irmãs Cachopas disse-me que se come com açúcar e canela. A Maria João que é meia-alentejana fez que sim com a cabeça. Mas come o almece dela com mel e canela. Diz que sabe a farófias.
Depois sai-se com esta: «Já sei o que isto é: é atabefe!» Ataquê? Atabefe. Em Portalegre, pelo menos, isto chama-se atabefe. Fui ver: é verdade. Almece e atabefe: obrigados, senhores árabes, por estas duas palavras tão descritivas de mais esta delícia escondida do Alentejo!
Vou dizer almece ou atabefe? Porquê escolher?
Crónica de Miguel Esteves Cardoso para o jornal Público, em 25/01/2019, com o título "Ou atabefe". Manteve-se a norma seguida no diário português, anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.