« (...) Eu digo eu te amo e ele poderia dizer amo-te, mas, no fim das contas, ele acaba dizendo eu tambaim q’rida…
Sorte a minha.»
Eu tomo café da manhã, ele toma pequeno almoço. Eu tomo leite na xícara, ele toma café na chávena. Eu tomo uma chuvinha besta, ele apanha uma chuva molha parvos. Eu tomo um sorvete de creme, ele toma um gelado de natas. Eu tomo um chope, ele toma uma imperial. Eu tomo um porre, ele apanha uma bebedeira.
Eu pergunto se ele viu minha meia-calça marrom e ele diz que não, não viu meus collants castanhos. Eu pergunto se ele vai de terno, ele me diz que não vai de fato. Eu uso calcinhas, que ele diz que são cuecas, ele usa boxers, que eu digo que são cuecas. Eu digo que é uma camiseta bonita, ele diz que é uma t-shirt gira. Eu digo que a nova camisa do Cruzeiro está linda, ele diz que a nova camisola do Porto está brutal.
Eu digo para de frescura e ele me diz não me venhas com fitas. Eu digo que ele não sabe porra nenhuma, ele diz que eu não sei a ponta de um corno. Eu digo se agasalha direito, ele me diz tapa-te bem. Eu digo muito, ele diz bué.
Eu pergunto se nossos amigos vão trazer as crianças e ele diz que, sim, eles trazem os putos. Eu pergunto se elas estão fazendo o álbum da Copa e ele diz que sim, elas estão a fazer a caderneta do mundial. Eu pergunto se eles têm figurinhas para trocar, ele me diz que eles têm cromos repetidos.
Eu pergunto se vamos de trem, ele diz que vamos de comboio. Eu digo que o encontro em 10 minutos no ponto do ônibus e dez minutos depois ele me diz que já está na paragem do autocarro. Eu digo que o pedágio é carésimo, ele diz que a portagem é um balúrdio. Eu digo que precisamos parar no posto e ele diz que logo ali há uma bomba.
Eu digo que esse goleiro é muito ruim, ele concorda dizendo que é mesmo um guarda-redes muito mau. Eu berro que o atacante estava impedido, ele berra que o avançado estava fora de jogo. E digo que o juiz tá de sacanagem, ele diz que o árbitro está a gozar. Eu digo que não foi escanteio, foi tiro de meta, ele concorda que não foi canto, foi pontapé de baliza.
Eu digo que adoro a Whoopi Goldberg em Mudança de Hábito, ele diz que nunca assistiu a Do Cabaré Para o Convento. Eu digo que nunca assisti a O Poderoso Chefão, ele diz que eu preciso assistir a O Padrinho. Eu digo que parei de ver Bastardos Inglórios no meio, ele diz que eu tenho que acabar de ver Sacanas Sem Lei.
Eu digo que TST é Tribunal Superior do Trabalho, ele diz que TST é Transportes do Sul do Tejo. Eu digo que ABL é Academia Brasileira de Letras, ele diz que ABL é Associação de Basquete de Lisboa. Eu digo que Itau é um banco, ele diz que Itau é Instituto Técnico de Alimentação Humana (e eu digo que falta um H nessa sigla).
Eu digo que comprei caquis, ele diz que comprou dióspiros. Eu peço para ele comprar abobrinha e alho poró, ele compra courgette e alho francês.
Eu digo que gosto de bolo salgado, ele diz que gosta de bôla. Eu digo que gosto de rocambole, ele diz que gosta de torta. Eu digo que gosto de torta, ele diz que gosta de tarte.
Eu digo que era um bando de estelionatários, ele diz que era uma corja de aldrabões. Eu digo que o cara é um babaca, ele diz que o gajo é um parvalhão. Eu digo que o vestido é cafona, ele diz que o vestido é piroso. Eu digo que a dona do vestido é uma patricinha, ele diz que é uma betinha.
Eu digo que temos um problema de sílaba tónica, ele concorda. Eu digo que quero comer sushí, ele diz que também quer comer súshi. Eu digo que vou de metrô, ele diz que me pega na saída do mêtro. Eu digo que o hotel se chama tívoli, ele diz que se chama tivolí. Eu digo que busco a miúda no judô, ele diz que ela sai do jûdo no fim da tarde.
Eu digo carinho, ele diz festinhas. Eu digo beijo tchau, ele diz beijinhos grandes e até logo. Eu digo eu te amo e ele poderia dizer amo-te, mas, no fim das contas, ele acaba dizendo eu tambaim q’rida…
Sorte a minha.
Texto da autora na Revista Prosa Verso e Arte, publicado no dia 29 de dezembro de 2018.