«... O que se tem experimentado em várias escolas europeias e americanas é a transição da aula tradicional para a chamada aula invertida. A designação “aula invertida” advém do facto de aquilo que antes era feito na aula pelo professor – a exposição sobre um dado conteúdo – ser feito em casa pelo aluno, em frente a um ecrã, e aquilo que era feito em casa – as tarefas de trabalho de casa – passar a ser feito na aula.»
É frequente ouvir-se dizer que a escola não está a responder às necessidades profissionais requeridas para o futuro. O modelo de escola de hoje é o modelo vitoriano da Revolução Industrial do séc. XIX, mas estima-se que, nos próximos 20 anos, 30 a 50% dos empregos atuais desaparecerão. E nos empregos do futuro, aquilo que se espera de um empregado é que seja o menos parecido possível com uma máquina ou robot.
Daí a constante pressão para que a escola ensine o aluno a ser ativo, criativo, crítico. Mas ele não pode ser criativo e crítico no vácuo, sem conhecimentos prévios, sem um saber específico consolidado. E a escola tradicional debate-se com este problema: por um lado tem de veicular conhecimento, que é o momento da aula em que o professor tem necessariamente de expor e explicar uma dada matéria, mas também se lhe exige que imediatamente leve o aluno a aplicar o conhecimento adquirido em vários contextos, e sob diferentes variáveis, e assim desenvolver a capacidade de reflexão, análise e pensamento crítico.
Acresce que, numa turma, os alunos são todos diferentes: há uns com baixa proficiência na leitura, outros que desconhecem os pressupostos básicos da matéria que está a ser tratada, outros – ou os mesmos – têm um universo de referências muito reduzido; e há ainda outros que, por motivos socioeconómicos ou por maior habilidade cognitiva, são mais rápidos a estruturar conhecimento. Portanto, aquilo que se está a exigir ao professor na sala de aula é extremamente exigente: pede-se que ele apresente e explique um dado conteúdo, ponha o aluno a aplicá-lo e a refletir criticamente sobre ele e ainda o tem de fazer com diferentes abordagens para diferentes alunos. Não é tarefa impossível, mas é seguramente muito difícil.
Em face disto, o que se tem experimentado em várias escolas europeias e americanas é a transição da aula tradicional para a chamada aula invertida. A designação “aula invertida” advém do facto de aquilo que antes era feito na aula pelo professor – a exposição sobre um dado conteúdo – ser feito em casa pelo aluno, em frente a um ecrã, e aquilo que era feito em casa – as tarefas de trabalho de casa – passar a ser feito na aula. O aluno em casa vê o vídeo que o professor ou outros professores (ou académicos) construíram sobre um dado tópico. Quem diz casa, diz autocarro ou noutro sítio qualquer, porque o aluno pode ver o vídeo no telemóvel. Depois, na aula, o professor fica com todo o tempo acompanhar os alunos na execução de exercícios de aplicação, dando assim ajuda individualizada a cada aluno. Esta opção resulta muitas vezes em o professor detetar problemas que antes nem sonhava que pudessem existir. Por outro lado, deixa de ser possível que, por exemplo, um aluno se esconda a um canto da sala e declare «Ok, já percebi tudo» só para não ter de trabalhar, porque na aula, através da realização de tarefas propostas, o professor vai realmente ficar a saber se ele percebeu ou não.
É certo que toda a gente está mais ou menos cansada de reformas na educação e que ninguém deseja importações cegas de modelos que funcionam bem noutro país, porque é outro país, não é Portugal – e em Portugal, como sabemos, todas as coisas funcionam de um modo muito específico. Mas às vezes vale a pena olhar e ver o que se está a passar noutros sistemas de ensino. E a aula invertida está a disseminar-se cada vez mais, desde a escola básica até ao ensino universitário com boas taxas de sucesso.
Texto transcrito da rubrica "Cronigramas", do programa Páginas de Português, emitido pela Antena 2 em 11/11/2018.