«[...] um espertalhão, inspirado na ópera e nos operários, prolongou o trabalho de alienação verbal ao chamar obras aos (nada gratificantes) trabalhos da construção civil [...]»[1]
Trabalhar vem do latim tripaliare, que significa torturar alguém no tripálio[2]. Neste caso trabalhar é torturar outra pessoa. Compreende-se assim porque nos dizem, quando nos estão a multar ou pedir mais dinheiro ou papelada: «Ó amigo, eu estou apenas a fazer o meu trabalho (que é torturá-lo).»
Andrea Komlosy no livro Work sugere que labor vem do latim labo [3], que poderá descrever o passo incerto dos escravos quando carregavam grandes pesos. Mais uma vez são outras pessoas a trabalhar para alguém que os explora descaradamente. Soa-lhe familiar? Chamem-lhe lavoura ou lavores vem tudo dar ao mesmo.
Será por isso que se fala em trabalho de parto? É a tortura de uma mulher para produzir um ser humano que depois dá um trabalhão a criar.
No TLS de 14 de Setembro há uma carta de Haris Vlavianos em que ele chama a atenção para a palavra douléia em grego antigo e moderno. Douléia significa trabalho mas também — lá está — escravidão.
Vlavianos remata dizendo que para Aristóteles uma das condições da eudaimonia (bem-estar) é não ter de trabalhar.
Para quem foge a esses trabalhos, Joe Moran, no TLS de 27 de Julho, diz que nas línguas indo-europeias há sempre uma palavra para as ocupações da elite. A opus, por exemplo, é para o trabalho criativo que gratifica e que enche a alma.
Em português é obra de obras completas e obra-prima, mas um espertalhão, inspirado na ópera e nos operários, prolongou o trabalho de alienação verbal ao chamar obras aos (nada gratificantes) trabalhos da construção civil. Suspire-se.
[1] N. E. – A expressão «sair do couro», que figura no título – «sai-nos do couro» –, significa «dar muito trabalho, exigir muito esforço»; ex.: «O que tenho saiu-me do couro» = «O que tenho deu-me trabalho/exigiu-me muito esforço». Couro ocorre em expressões populares frequentemente com o sentido de «corpo» e não só, na expressão já referida, bem como noutras; p. ex., «dar ao couro» (=«trabalhar, dar ao cabedal»), «dar cabo do couro (de alguém)» (= «espancar»), «levar no couro» (= «ser espancado»), «chegar a roupa ao couro/corpo/pelo» (= «espancar»), «em couro» (= «nu»), «levar couro e cabelo (por alguma coisa)» (= «cobrar um preço muito elevado»).
[2] N. E. – Tripálio, «do lat. tripalǐum "instrumento de tortura", derivado do adjetivo tripālis, e "sustentado por três estacas ou mourões"» (Dicionário Houaiss s. v. trabalh-).
[3] N. E. – Em latim, a forma labo é a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo labare, «oscilar, vacilar».