Boas festas, sem hífen, quando se deseja a alguém umas festas felizes; e boas-festas, com hífen, quando se trata da saudação que se usa no Natal e no Ano Novo. Mas, em Angola, dar ou receber as boas-festas, com hífen, arrisca a ser-se mal interpretado...
[crónica do autor, publicada no semanário luandense "Nova Gazeta" de 8 de janeiro de 2015.]
Mesmo depois do Natal e da festa do Ano Novo, são várias as pessoas de quem ainda oiço “Feliz Natal”, “Feliz Ano Novo” e, como não podia deixar de ser, as ‘felicitações’ atrasadas de “Boas Festas!”. E, claro, só tenho de agradecer.
Mas ficaria mais feliz se me pudesse ser proporcionada uma época festiva mais calma. Na véspera de Natal, fiquei quase por três horas parado no trânsito sem tocar na secção de mudanças. O engarrafamento tornou-se num ópio. Deu até para ir à Chicala, comer um bom peixe calafate delicioso e beber uma coca-cola bem gelada e... voltar a despertar, com o som da buzina do camião que vinha atrás de mim.
Do outro lado, sentada num azul e branco, estava a Janeth, filha do falecido enfermeiro que me curou da alergia nos anos de 1990, quando terminava a minha adolescência. Com o rosto ensopado e uma fralda branca na cabeça, Janeth gritou: «Teacher! Tudo bem?», saudou-me, usando o apelido a que só os mais próximos têm acesso.
«As minhas ‘boas festas’?»
«Obrigado!», respondi, com todo o entusiasmo e expectante que mais alguém me viesse desejar o mesmo.
«O teu irmão já me deu uma grade de Sagres de ‘boas festas’ e a tia São também já me deu as ‘boas festas’ dela», disse.
Uma vez, enquanto privava com uma das mais prestigiadas linguistas de Angola, Amélia Mingas, disse que «a língua não é dos livros, mas sim dos falantes que a usam e a moldam conforme os seus hábitos e costumes». Quando eu pensava que a expressão ‘boas-festas’ significava «Feliz Natal e Próspero Ano Novo», já os meus confrades lhe tinham atribuído um outro sentido: ‘presente que se dá/recebe na quadra festiva (Natal e Ano Novo).
Ser padrinho de Natal, hoje, significa estar preparado para dar, não para receber, as ‘boas-festas’ (= presentes) que os ‘afilhados’ pedirem. Por isso é que, para não ser confundido, não digo ‘boas-festas’ para não ser mal interpretado, em alguns casos. Claro que não há problema nenhum em dizê-lo, mas prefiro sempre optar por «desejo-lhe boas festas (Feliz Natal e Feliz Ano Novo)», ao invés de «as minhas ‘boas-festas’ (= presentes)».
Espero que tenham todos tido boas festas mesmo que não tenham dado ou recebido ‘boas-festas’ (= presentes).
Cf. Boas festas ou boas-festas?
Texto publicado no semanário luandense "Nova Gazeta", no dia 8 de janeiro de 2015, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.