À volta de uma expressão muito comum entre os portugueses – que, para um qualquer inglês ou americano, corresponderia, nas mesmas circunstâncias, a uns sucintos «of course» ou «what do you think?» –, nesta crónica do autor, com o título original "O não claro é sim".
[in jornal "Público" de 13 de novembro de 2014]
Aprende-se muito sobre uma pessoa ou um povo quando se descobre o que lhes dá prazer. O exercício contrário – apurar como os enfurecer – é mais divertido e dá menos trabalho mas aprende-se menos.
Chatear um português nunca será muito diferente de chatear um ser humano. Mas dar-lhe um prazer particular – que outros povos não sentem – é acertar em cheio.
Quando se faz a um inglês ou a um americano uma pergunta cuja resposta é óbvia («E ele aceitou os cem mil euros que ganhou?»), ele ou ela surpreende-se com a nossa estupidez e responde «of course» ou «what do you think?»)
Eles ficam embarrassed com a nossa pergunta obtusa. Os portugueses, não. Deliram, tal é a alegria. Para nós, não há separação: há comunidade.
Pergunta-se (mesmo sinceramente) a um português: «E ele comeu os lagostins que lhe trouxeram ao preço das navalheiras?»
E ele responde, com êxtase empático: «Não! Chama-lhe parvo...»
O «não» é a ironia forçada e violenta dos portugueses que, por ser trocista, nem sequer tem direito a passar por sarcástico; muito menos irónico. A ironia juntamente com o irmão (o sentido de humor) são as maldições sem as quais todos os portugueses nascem abençoados.
O «chama-lhe parvo!» é a alegria de reconhecermos, em conjunto, que todos nós, por pouco oportunistas que sejamos, sabemos o que nos convém.
O prazer dos portugueses de responder «Não! Chama-lhe parvo!» é o raro prazer ontológico de dizer «Sim: é mesmo assim!»