Artigo da principal dinamizadora das Comemorações "8 Séculos de Língua Portuguesa", onde sublinha o que, de facto, se celebrou no dia 27 de junho de 2014 como tem sido repetidamente referido, aqui, no Ciberdúvidas.
As línguas não surgem do nada, num determinado dia e numa hora específica. Obedecem a um continuum temporal, fruto de múltiplas transformações sociais, políticas, económicas, individuais... Sendo um organismo vivo, ela é dinâmica e moldada pelos seus falantes desde a sua génese – momento que é impossível determinar – passando por um longo período de evolução, num processo lento, moroso e complexo, até à sua fixação, continuando sempre a evoluir.
A língua portuguesa não fez 800 anos, em 27 de junho de 2014! Afirmá-lo, é trair o rigor científico.
Nesse dia, foi o Testamento de D. Afonso II que fez 800 anos. É o ponto de referência mais importante para a Língua Portuguesa enquanto língua escrita, embora não seja o mais antigo.
A língua portuguesa, enquanto língua oral, resulta de uma longa transformação a partir de um conjunto de dialectos (galego-portugueses) do noroeste da Península Ibérica. É, segundo Ivo Castro, um natural processo que se foi autonomizando a partir dos sécs. VI-VII, quando, na antiga província Gallaecia et Asturica, se começam a manifestar alguns fenómenos de mudanças fonéticas que vão descendo para sul e afetando o léxico e consistentemente fixando o que viria a constituir o Português atual. [Cf. Castro, I. (2006). Introdução à História do Português, 2.ª ed. ver. e aum., Lisboa: Ed. Colibri].
Também Paul Teyssier (1915-2002) refere que «a partir de inícios do século XIII surgem documentos inteiramente escritos em “língua vulgar” – testamentos, títulos de venda, foros, etc. Um dos textos mais antigos deste género é o testamento de Afonso II, datado de 1214. D. Dinis dará grande impulso à utilização da “língua vulgar” ao torná-la obrigatória nos documentos oficiais». Mais afirma este autor que é na segunda metade do século XIII que se estabelecem certas tradições gráficas. [Cf. Teyssier, P. (1984). História da Língua Portuguesa, 2ª ed. portuguesa, Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora].
Deste modo, a 8 Séculos de Língua Portuguesa – Associação decidiu designar estas Comemorações por "8 Séculos de Língua Portuguesa", tomando como referencial o Testamento de D. Afonso II, mas reportando-se, também, a todos os documentos coevos escritos em língua portuguesa.
É, pois, óbvio que a língua portuguesa não fez 800 anos em 27 de junho de 2014. Não estamos a comemorar a data de nascimento da língua portuguesa, pois esta é impossível de se determinar, estamos a assinalar os 8 séculos do conhecimento dos textos mais antigos redigidos em língua portuguesa, entre os quais se destaca o Testamento de D. Afonso II. Esta escolha afigura-se-nos como uma proposta muito digna para, simbolicamente, congregar os falantes dos quatro continentes, sensibilizando-os para a força que une povos tão diversos, portadores de riquezas culturais ímpares.
E é a propósito dos 800 anos do Testamento de D. Afonso II, que a 8 Séculos da Língua Portuguesa-Associação convida todos os falantes a integrar as Comemorações dos 8 Séculos a Língua Portuguesa e a celebrar esta língua oficial, partilhada por oito países e pela região administrativa de Macau, promovendo iniciativas nesta língua de legados e heranças, afetos e maresia.
Participe nas Comemorações dos 8 Séculos da Língua Portuguesa, promovendo e divulgando a língua portuguesa que, glosando Fernando Pessoa, «é o som presente d'esse mar futuro»!