Não é rara a confusão entre espólio e acervo. Ou, até, entre o sentido de «esbulho» ou de «despojos de guerra», e o de património/legado/herança deixada por alguém entretanto falecido. Já "expólio", com x, «simplesmente, não existe» – como se explica neste texto do autor, publicado na sua coluna semanal, no jornal "i" de 17 de abril de 2014.
A propósito do lançamento [em Portugal] do livro de Richard Zenith e Fernando Cabral Martins com inéditos de Fernando Pessoa, alguns jornais referiram o «espólio"= (e o "expólio") do poeta; Pessoa foi qualificado de «panfletário» e «antimonárquico», o que é perfeitamente aceitável, possível e não inédito, dada a complexidade e a vastidão do universo da sua obra, sempre susceptível de ser "lida" de um novo ângulo.
Espólio é o acto de desapossar alguém ou alguma coisa de algo que lhe pertence; é o mesmo que «espoliação», «esbulho». A palavra ficou ideologicamente marcada durante o século passado, quando eram com frequência mencionados os «povos espoliados», as «classes sociais espoliadas», as «riquezas espoliadas».
Os despojos de guerra, retirados a um adversário no âmbito ou em consequência de um conflito, são «espólios»; «espólio» é igualmente aquilo de que alguém foi espoliado.
No caso de Pessoa (que legou à posteridade a famosa arca com documentos que têm dado origem a algumas curiosas desavenças entre estudiosos da sua obra), o «espólio» deve ser entendido como o conjunto de bens ou valores encontrados depois da sua morte. O mesmo acontece em relação aos bens que pertenceram a um qualquer indivíduo. Nada tem a ver, portanto, com espoliação. Trata-se de uma herança, de um legado.
E quanto ao "expólio"? Este, simplesmente, não existe. Foi invenção de gente desatenta, provavelmente a mesma que pronuncia "xopa", "xinema" e "pixina", e não sopa, cinema e piscina.
texto publicado na coluna do autor Pontos nos ii no jornal i do dia 17 de abril de 2014, com o título "Espólio". Escrito na velha ortografia, ainda seguida no jornal.