Um comentário irónico do professor universitário e cronista português Fernando Venâncio sobre a história e o uso da fórmula de agradecimento obrigado.
Era muito bonito – não era? – que o japonês arigatô derivasse do nosso obrigado. Pois é, não deriva. Há quem tente salvar-nos a face, aventando que o vocábulo japonês, patrimonial, teria tomado, após contacto com os portugueses, colorações de «agradecimento». O problema é que, quando esse contacto estava no auge (digamos, à volta de 1600), ainda nenhum português agradecia com obrigado... As lendas urbanas têm destas fraquezas.
Só por 1700 encontramos giros do tipo de «Fico-vos obrigado». Mas mesmo o grande Morais, de 1789, dá obrigado como mero particípio. Só a partir de 1830 se documentam obrigados de feição moderna. «Obrigado pelo elogio», diz uma personagem de Garrett. «Muito obrigado pela agradável surpresa», escreve o próprio numa carta. Os testemunhos brasileiros são ainda mais tardios.
É obrigado uma palavra bonita? Decerto. Mas é também problemática. Nunca esquecerei o revisor do Alfa que passava distribuindo agradecimentos, quer pela nossa apresentação do bilhete, quer pela nossa escolha da CP, o que o gentil funcionário exprimia com um Obrigado a um homem, um Obrigada a uma mulher e um Obrigados à mistura. Tamanha simpatia era cativante, e é de esperar que nunca o tenham elucidado.
Menos comovedor, certo facebookiano espanhol insurgia-se, há tempos, contra a degenerescência que dera às mulheres portuguesas, a quem ouvia dizer Obrigado, quando o respeito a si mesmas exigiria Obrigada. Fiz-lhe ver que, na nossa ingenuidade, não associávamos, nisto, o físico ao gramatical, e que ele próprio não demoraria a ouvir a homens Obrigada. E também que, mais dia menos dia, a nossa mesma singela índole levaria a dizerem-lhe, a ele, Sim senhora, e Não senhora, essas nossas formas unissexo de afirmar ou negar rotundamente. Nunca mais me escreveu.
A desarmante efusão que nos distingue criou ainda as meiguices muitíssimo obrigado e obrigadíssimo, garantes da mais vera sinceridade. E quem não se derreter com um obrigadinho será indigno deste coração na mão em que andamos.
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*texto publicado na revista Ler de julho de 2013, na coluna do autor, "Língua Movediça".