Texto publicado no semanário “Expresso” de 21/07/2012, a propósito da polémica Teresa Gersão vs. Maria Helena Mira Mateus.
Basta ler a resposta que Maria Helena Mira Mateus, eminente linguista e professora catedrática, deu a um artigo de Teolinda Gersão (ambos publicados no “Público”), em que a escritora criticava o deslumbramento com que os programas de Português debitam abundantes e complexos conceitos e categorias gramaticais (em tal grau que eles se anulam nos seus próprios fins), para percebermos a arrogância de quem tem tido alguma responsabilidade na disciplina. Com os resultados que estão à vista.
Uma metáfora arquitetónica é recorrente no texto de M.H.M.M.: por três vezes fala em «construção», a última delas para se referir aos elementos com que a língua «se constrói». Esta obsessão construtivista tem um objetivo: mostrar que é preciso saber identificar, nomear e categorizar os elementos e as operações linguísticas e que sem esse saber os alunos estariam completamente desarmados para o conhecimento de tudo o que diz respeito à língua escrita e falada.
A obsessão construtivista é a obsessão pela formalização linguística. A ideia de que a língua é uma construção pode ser muito útil para defender as suas teses sobre o ensino da língua, mas se M.H.M.M não estivesse tão preocupada em defender o seu território certamente que não cometia tal dislate. Uma língua construída só pode ser uma língua artificial, como o Esperanto.
Esta comparação esclarece alguma coisa: na verdade, os grandes arquitetos do ensino da língua materna parecem aspirar a que ela seja ensinada como uma espécie de Esperanto. Ao investir grande parte da sua tarefa nas longuíssimas e exageradas categorizações gramaticais, o ensino do Português está tão obcecado com o estudo da frase (essa sim, uma construção) que se mostra muito inapto a trabalhar com o que vem para lá dela: o texto, e particularmente o texto literário.
in semanário “Expresso” de 21 de Julho de 2012. Título da responsabildade do Ciberdúvidas