Vivemos num quotidiano pejado de siglas e de acrónimos. Porventura pela profusão de organizações, planos, programas, projectos, porventura pela rapidez com que tudo ocorre, porventura também para poupar espaço e/ou evitar as repetições. Não há praticamente jornal, revista, ou até livro, que esteja imune a este fenómeno. E nesse uso vale quase tudo, boas e más práticas: usar apóstrofo para os(as) pluralizar, colocar entre parêntesis a primeira vez que ocorrem ou nem isso, lexicalizá-los(as) de forma mais ou menos criativa, reduzi-los(as), também de forma mais ou menos criativa, abreviar também as preposições constantes dos nomes através de uma minúscula, utilizar pontos finais entre cada letra, para representar a palavra abreviada...
Em Portugal, um dos acrónimos de que mais se fala por estes dias é o PEC. Ou seja, Programa de Estabilidade e Crescimento. É comum ver-se a referência a "PEC’s", quando acrónimos e siglas não se pluralizam e menos ainda com apóstrofo. Descobri até a lexicalização do acrónimo PEC, ou seja, a sua transformação em palavra, sem ser, é claro, por via do seu natural desdobramento. É o que faz Esther Mucznik, no artigo "A hora é de mudança", publicado no Público de 2 de Junho, na frase:
«o problema é a avidez de poder do PSD — à qual ele, Sócrates, é evidentemente imune — que o levou a chumbar o PEC4 e que trouxe para cá o FMI, esse papão que nos vai infernizar a vida que estaria a correr tão bem não fossem os nossos Peques…»
Recorde-se, porém, que há uns anos — poucos — PEC significava, no jargão da política e da economia portuguesas, Pagamento Especial por Conta e, há mais ainda, Programa Extrajudicial de Conciliação. Já não há siglas ou acrónimos que cheguem para as encomendas! Para desempatar, começam a surgir as siglas em que as preposições são também abreviadas, surgindo em minúsculas pelo meio das maiúsculas. O Banco de Portugal aparece no Expresso desta semana (10 de Junho de 2011, Economia, p. 6) como BdP, provavelmente, para se distinguir da BP (British Petroleum) e de outros(as) BP.
Outra inovação é o aproveitamento das siglas e dos acrónimos para a criação de palavras, através da aposição de um sufixo. Veja-se o curioso exemplo do artigo de Pedro Adão e Silva, "Um partido incoligável", no Expresso de 11 de Junho (Primeiro Caderno, p. 42), em que, a propósito das últimas eleições legislativas em Portugal, alude à «PRDização do Bloco de Esquerda».
A pluralização das siglas com a adição do apóstrofo seguida de s estendeu-se mesmo para lá dos jornais e das revistas. No romance de Gonçalo M. Tavares, Aprender a rezar na era da técnica, referem-se as «TAC’s ao crânio» (p. 47). Este acrónimo é, aliás, dos que vivem de per si, tal a notoriedade que ganhou. Está tão disseminado, que é já raro falar-se em tomografia axial computorizada. Um caso em que o acrónimo se impôs ao nome originário.
Ainda no Expresso de 11 de Junho (Primeiro Caderno, p. 46), dou-me até conta de que, num artigo sobre a época do Futebol Clube do Porto, e sem que seja indicada a abreviatura, o seu presidente aparece, em colunas autónomas do texto principal, apenas como PC, ou seja, Pinto da Costa, confiando-se no conhecimento, na inteligência e na capacidade de descodificação do leitor.
E ainda no Expresso da data em referência (Emprego, p. 8), constato que a Agência de Avaliação do Ensino Superior surge abreviada como A3ES. Só depois de pesquisar no site daquela organização é que percebi a razão daquele 3. É que este organismo designa-se por Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, ou seja, tem três ás no nome, sendo esta uma forma de tornar aquela abreviatura menos monótona e mais legível.
A situação nunca foi tão caótica. Recorde-se que até na Idade Média e na Idade Moderna existiam nas chancelarias práticas normalizadas no tocante às abreviaturas… Conviria, pois, começar a pôr alguma disciplina ortográfica nesta quase terra de ninguém…