Um anúncio da empresa Off&cina – Shoes & Coats, publicado no primeiro caderno do Expresso, de 20 de Novembro de 2010, chamou-me a atenção pela quantidade de situações susceptíveis de reparo e/ou reflexão em tão pouco texto.
Dizia apenas:
Off&cina – Shoes & Coats
PROCURAMOS MASTER-FRANCHISING PARA OS MERCADOS DE: ESPANHA-POLÓNIA-REPUBLICA CHECA-SUÉCIA-NORUEGA E CHINA
RESPOSTA AO EMAIL: V.RDESIGN@HOTMAIL:COM
E no pouco que diz, várias questões merecem análise:
1.º Acentuaram-se os nomes de alguns países (Polónia e Suécia) mas não se acentuou República Checa; ainda que contrário à norma ortográfica vigente, por vezes, de acordo com algumas convenções tipográficas sobretudo de tradição francesa, opta-se pela não acentuação dos títulos em caixa alta, ou maiúsculas; ainda que defensável, este critério, a ser a aplicado, tem de sê-lo de forma uniforme;
2.º Separaram-se os países por hífen, em lugar de vírgula ou outro sinal gráfico de diferenciação: e se por acaso um dos mercados potenciais de expansão da Off&cina fosse a Guiné-Bissau?;
3.º A palavra master-franchising aparece hifenizada, o que, de acordo com a ortografia inglesa, é pelo menos discutível; já agora, refira-se, em aditamento a este nosso texto, que a expressão master-franchisado — cuja formação irregular, ao manter um dos elementos na língua original, aportuguesando o outro, não deixa de reflectir a cada vez maior anarquia que se verifica na construção de neologismos — também já vai aparecendo em textos portugueses, sobretudo técnicos, significando aquele que compra os direitos de um franchising ou franchise para todo um país ou região e que, além de abrir unidades próprias, está autorizado a subfranchisar a parceiros locais, substituindo o franchisador no território em causa;
4.º A palavra e-mail aparece sem ser hifenizada — "email" — apesar de ser cada vez mais comum vê-la grafada desse modo, ou seja, com o afixo anteposto à base, e alguns dicionários e vocabulários portugueses e ingleses mais recentes consagrarem ambas as grafias; até já a vi aportuguesada como "maile", "meile" ou "emeile" — e até já vi o verbo "meilar", utilizado pelo linguista Fernando Venâncio, ainda que em funções de romancista, portanto num contexto de maior liberalidade estilística, em El-Rei no Porto (Asa: Porto, 2001, p. 8) — a forma mais comum ainda é e-mail;
5.º Por último, e indesculpável, no próprio e-mail, a designação do domínio aparece separada por dois pontos ("hotmail:com"), em lugar de ponto (hotmail.com); é certo que uma grande parte dos leitores, habituados que estão à sintaxe dos endereços digitais, detectarão o lapso, mas outros haverá que o não farão.
Confesso que me interrogo como terá sido feita a aprovação do anúncio! Será que, na empresa que o produziu, ninguém, na área dos conteúdos e da revisão de texto, terá reparado nalguns dos pormenores que se apontam? E da parte do cliente, será que quem deu a aprovação final também não reparou? E já agora, o jornal não terá também uma palavra a dizer, ou aceita e publica acriticamente tudo o que lhe chega só porque se trata de publicidade?
Uma reflexão final: é unanimemente reconhecido que a atribuição dos nomes próprios em Portugal se encontra enquadrada por disposições legais bastante estritas, que procuram, desde logo, salvaguardar a dignidade de um dos primeiros direitos da pessoa: o direito ao nome — imagine-se o que seria se os progenitores pudessem escolher, sem qualquer restrição, o nome para a respectiva prole! —, mas será curial que esta situação, reconhecidamente rígida em relação aos nomes próprios de pessoas, coexista com uma liberdade quase total com que são aceites e registados os nomes de algumas pessoas colectivas, no caso, as empresas?