Queria, antes de mais, fazer a chamada «declaração de interesses», já que terei sido eu o principal responsável pelo surgimento da própria palavra lusofonia nos dicionários da Língua Portuguesa e, para além das minhas responsabilidades no quadro das Universidades Lusófonas (cuja designação não fora muito bem vista, porque «até soava mal», mas que, entretanto, se impuseram como o maior e mais considerado grupo de ensino superior privado português e foram aceites como membro observador da CPLP), criei, em 1991, a 1.ª Sociedade Africanológica de Língua Portuguesa (SALP) e, em 1994, a 1.ª Associação dos Cientistas Sociais do Espaço Lusófono (ACSEL), o 1.º Mestrado Português em Espaço Lusófono, as 1.as Edições Universitárias Lusófonas e a 1.ª Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias (que já vai no 15.º número), tendo ainda lançado, em Luanda 2002, no Encontro das Universidades de Língua Portuguesa, o 1.º apelo à criação do Espaço Lusófono do Ensino Superior (ELES) que, à imagem da Declaração de Bolonha para a Europa, viria a ser designado como a Declaração de Luanda e que esteve na génese da, como tantas outras promessas, completamente esquecida Declaração de Fortaleza dos ministros da CPLP. O meu empenho pelo que tenho vindo a chamar a «hora cairológica da lusofonia», vai obviamente muito mais longe do que as próprias Teses sobre a Lusofonia e a CPLP que, além do resto, fiz questão de pessoalmente entregar no Palácio do Planalto, já consciente de que seria o Brasil de Lula, convertido enfim de «país de futuro» no «país do presente», que poderia dar à Lusofonia o seu verdadeiro significado e peso na geopolítica emergente, com vantagens insuspeitadas tanto para os países lusófonos como para o mundo global e até fazer dela um possível e magnífico exemplo do fenómeno da globalização.
Queria, também, conscientemente abster-me dessa pseudo-polémica relativa à bondade ou maldade, à virtude ou ao pecado da admissão da Guiné Equatorial no seio da CPLP. Oxalá viessem, e rapidamente, muitos mais países e povos e fizessem da CPLP uma organização de influência decisiva no desenvolvimento sustentado e no respeito de todos os direitos humanos (a começar por tantos e tantos membros da ONU e, eventualmente, por alguns dos membros da actual CPLP).
Queria, ainda, relembrar o que tantas vezes tenho dito, até pessoalmente, a saber, que os secretários executivos da CPLP têm estado muito acima dos méritos da própria CPLP e que esta não os tem evidentemente merecido.
E queria, finalmente, insistir na ideia de que a CPLP não impede ou prejudica a inserção dos seus países e povos nos respectivos espaços geofísicos e geopolíticos locais ou globais. Como relativamente a Portugal tenho constantemente repetido, aparentemente com escassos resultados, Portugal só poderá ser interessantemente lusófono na medida em que for plenamente europeu como também só poderá ser interessantemente europeu na medida em que for plenamente lusófono…
Neste momento, remetendo especialmente para o opúsculo Para uma Crítica da Razão Lusófona: 11 Teses sobre a CPLP e a Lusofonia (Edições Universitárias Lusófonas, 2000, Lisboa) e para a comunicação de abertura do I Congresso Internacional da Lusofonia (Lisboa, 2003), permitia-me apenas, da maneira mais sintética, através de V. Exa. enquanto secretário executivo da CPLP, fazer chegar os respectivos chefes de Estado e de Governo as seguintes propostas mínimas para que a CPLP valha verdadeiramente a pena e mostre, parafraseando o célebre verso, que «a sua alma não é pequena»:
1 - Mudar imediatamente a velha denominação «CPLP» (até para evitar todas as graçolas do género «CPL… o quê?») para a denominação mais «cairológica» de «Comunidade Lusófona», que, obviamente e importantemente, inclui mas vai além da questão da língua portuguesa (para já não falar da absurda fórmula, que por vezes ainda se ouve, de «expressão portuguesa»).
2 - Acabar imediatamente com a inclusão dos «negócios ou relações lusófonas» no âmbito dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros ( ou Relações Exteriores). Ou será que os «lusófonos» continuam, de facto, a não passar de «estrangeiros»? E que se espera para criar um Parlamento Lusófono, símbolo maior das democracias contemporâneas e de um Banco Lusófono, num tempo em que a economia política há muito é reconhecida como a base real das sociedades?
3 - Como já deixei escrito no opúsculo das Teses, sem comum passaporte lusófono e sem comum cidadania lusófona, não há CPLP nem lusofonia dignas desse nome. Quando é que os cidadãos dos países lusófonos tornarão suas as palavras furiosas de Cícero contra Catilina e dirão: «Quousque tandem… Até quando continuarão todos esses Estados e Governos e suas incompetentes burocracias a abusar da nossa paciência lusófona»?
4 - Tornar definitivamente a sério a questão da língua portuguesa e não permitir, sob nenhum pretexto, que uma das pouquíssimas línguas potencialmente universais do século XXI seja reduzida ao lugar e papel de uma língua politicamente insignificante (na ONU, no Vaticano, etc.). Quando é que os países e povos lusófonos darão o verdadeiro sentido às palavras de Fernando Pessoa: «Minha pátria é a língua portuguesa»?
5 - Acabar, também definitivamente, com essa tragicomédia (sobretudo representada por Portugal e seus últimos abencerragens de mentalidades colonialistas e de causas perdidas) da falta de cumprimento do novo Acordo Ortográfico da língua portuguesa, que não será tecnicamente perfeitíssimo, mas é uma exigência geopolítica do novo século. Será assim tão difícil de entender?
6 - Incrementar ou implementar o referido Espaço Lusófono do Ensino Superior (ELES), à imagem e inspiração do Espaço Europeu do Ensino Superior (EEES), e pelas razões que então exprimi na seguinte fórmula que me apraz repetir nesta Carta Aberta ao secretário executivo da CPLP: «A lusofonia real, que não cesso de proclamar como a única real via de afirmação de todos, insisto, de todos os países e povos lusófonos, passa necessariamente e até primordialmente por aí, ou não fosse «a educação de excelência para todos» o princípio e o motor insubstituíveis do desenvolvimento humano e não fosse a norma da «educação universal, obrigatória e gratuita» o programa mais revolucionário de toda a história moderna e válido para toda a humanidade e não só para o mundo ocidental.»
7 - Faço votos por que principie a realizar-se aquela que desde há décadas venho proclamando e tentando demonstrar como a válida Tese Geral sobre a lusofonia: «Mais que projecto ou questão cultural e até linguístico-literário, a Lusofonia é, obviamente, um importante projecto ou questão de língua e, sobretudo, um importantíssimo projecto ou questão de espaço económico-político próprio no globalizado mundo contemporâneo. O que também é válido para a CPLP, que deveria adoptar o nome menos antiquado e mais cairológico de Comunidade Lusófona».
Com as melhores saudações lusófonas.
Cf. Conceito de Lusofonia, de Maria Sousa Galito.
Carta aberta ao secretário-executivo da CPLP a propósito da Cimeira de Luanda de 23 de Julho de 2010