À semelhança da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (que, segundo os números, é quantitativamente a maior e, segundo a “vox populi”, é qualitativamente a melhor universidade privada portuguesa), a Universidade Lusófona do Porto tem “como objectivos o ensino, a investigação e a prestação de serviços nos vários domínios da cultura, da ciência e das tecnologias, numa perspectiva interdisciplinar e, especialmente, em ordem ao desenvolvimento de todos os Países e Povos de Língua Portuguesa” (DL n.º 92/98, de 14 de Abril). Sabiam, aliás, que a única universidade portuguesa que tem uma cadeira ou disciplina intitulada “Socioeconomia Política do Noroeste Peninsular” é a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa?
Também como a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e com ela, a Universidade Lusófona do Porto é, quer ser, vai ser uma Escola lusa e lusófona de referência, caso de estudo que poderá dizer-se exemplar não só do tão badalado fenómeno da globalização, mas também, literalmente e no melhor sentido do termo, do menos badalado mas não menos importante fenómeno da glocalização, em que se pensa sempre globalmente para melhor se agir localmente, nos nossos casos, lusofonamentes. Aliás, as próprias divisas das duas instituições («Humani Nihil Alienum», «nada do que é humano nos é estranho...», para a ULHT e «Minha Pátria é a Língua Portuguesa», para a ULPorto) são suficientemente explícitas quanto às suas intenções globais e glocais, e, como sempre, serão tanto mais interessantemente locais quanto mais plenamente globais forem e tanto mais interessantemente globais quanto mais plenamente locais forem...
Lembro-me de ter escrito no livrinho Ad Leviathan: Teses contra o Estado Centralista (Leviatão) e a favor da regionalização Democrática, Edições Universitárias Lusófonas, 1998, Tese 1:
«O "complexo anti-regionalista do Terreiro do Paço" e respectivos "intelectuais orgânicos" não é, propriamente, nem um "complexo de superioridade" nem um "complexo de inferioridade", mas, simplesmente, um "complexo de vistas curtas e tacanhas"; e confunde-se com um certo "espírito lisboeta" essencialmente provinciano e tribal, que, por sua vez, não deve ser confundido com o "espírito dos lisboetas". Até porque, e como é dos livros, não raro são os "lisboetas não originários de Lisboa" que são "mais papistas que o Papa" e constituem a quintessência do provincianismo anti-regionalista...» (pg. 7).
E já agora, vão permitir-me que releia também a Tese 8 desse mesmo “manifesto” de 1998 «a favor da Regionalização Democrática», obviamente a contextualizar em todos os sentidos:
«Repetindo o que muitas vezes e em muitos lugares tenho dito e constitui um elementar acto de justiça, o eng.º António Guterres foi o primeiro «político lisboeta» que falou do Porto e do Norte de uma maneira lúcida e não provinciana quando, publicamente e ainda antes de tornar-se primeiro-ministro [de Portugal], afirmou que o desenvolvimento e o protagonismo daquela cidade e daquela região não eram nem contra a unidade de Portugal nem contra a grandeza de Lisboa, mas sim o resultado de potencialidades únicas numa perspectiva transfronteiriça europeia e condição ‘sine qua non’ para que o Porto não deixasse de ser aquilo que, não obstante toda a miopia centralizadora de anteriores governos, realmente e reconhecidamente é, a saber, a capital de todo o Noroeste da Península Ibérica. Maximamente saudável e maximamente promissor é também verificar que tal discurso, que quando comecei a utilizar era olhado como simples provocação, se vai tornando o discurso oficial do Governo de Portugal e do Governo da Galiza. E é também neste sentido (simultaneamente regional, nacional, ibérico, europeu, lusófono e ecuménico) que faz todo o sentido o projecto em curso da Universidade Lusófona do Noroeste Peninsular (que viria a resultar na criação da Universidade Lusófona do Porto, cujo dia de festa anual hoje celebramos), além de poder contribuir para que CPLP venha a deixar de ser um nado-morto».
Sistematizando e sintetizando, poderíamos afirmar que, neste "dia da ULPorto”, queremos celebrar dois acontecimentos (que esperamos definitivamente “aconteçam”!), chamemos-lhes “2 Horas” (que esperamos definitivamente soem!), a saber, a «Hora da Lusofonia» e a «Hora da Declaração de Bolonha».
Sobre a Hora da Lusofonia, remeterei para as minhas numerosíssimas e quase obsessivas intervenções sobre a questão, que tenho resumido na “Tese” seguinte, a demonstrar e sobretudo a realizar:
«Mais que projecto ou “questão cultural” e até “linguístico-literária”, a Lusofonia é, além de um muito importante projecto ou uma muito importante “questão de Língua”, sobretudo um importantíssimo e decisivo projecto ou uma importantíssima e decisiva “questão de estratégia geopolítica”, com inevitáveis incidências económico-socioculturais. O que também seria válido para a designada e até agora quase só virtual CPLP, que deveria adoptar o nome menos restritivo de “União ou Comunidade Lusófona».
Sobre a “Hora da Declaração de Bolonha, que, finalmente embora muito tardia e atrasadamente, começou a soar (e aproveito para felicitar a coragem e a obstinação do Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que, para fazer promulgar o Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, sobre o novo regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, teve de lutar contra muitos ventos e muitas marés ainda nem todos e todas perfeitamente identificados...), onde a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias tem sido, nos últimos anos, reconhecidamente pioneira (cf. o emblemático título do livro “Quem tem medo da ‘Declaração de Bolonha’? A ‘Declaração de Bolonha’ e o Ensino Superior em Portugal”, Edições Universitárias Lusófonas, 2005), quero dizer apenas o seguinte: a aplicação ou se quiserem, em terminologia menos lusófona porém mais globalizada, a implementação do Processo de Bolonha, para Portugal, é, antes de tudo o mais, uma questão de modernidade, ou, se quiserem, “citando” famoso pensamento de Teilhard de Chardin, uma questão de não sermos apenas cronologicamente contemporâneos. E é por isso que, desde as primeiras “lutas” por “Bolonha”, eu não me tenho cansado de chamar a atenção para uma das poucas alusões a Portugal existentes na Enciclopédia de Diderot – D’Alembert”, a “Enciclopédia por antonomásia dos tempos modernos, em que o próprio D’Alembert escreve, na entrada Filosofia Escolástica:
«... As Universidades de Espanha e de Portugal, graças à Inquisição que as tiraniza, estão muito menos avançadas (do que as restantes Universidades Europeias); nelas a filosofia está ainda no mesmo estado em que entre nós esteve do século XII até ao século XVII; os professores chegam a jurar que jamais ensinarão outra: a isto chama-se tomar todas as precauções possíveis contra a luz... Num dos jornais do ano de 1752, na secção das Novidades Literárias, não é sem espanto nem aflição que se pode ler o anúncio de um livro ultimamente impresso em Lisboa (em pleno século XVIII): "Systema aristotelicum de formis substantialibus", etc., cum dissertatione de accidentibus absolutis (Ulissipone, 1750). Quase é de crer que se trata de uma gralha tipográfica e que é 1550 (e não 1750) que devemos ler. On serait tenté de croire que c’est une faute d’impression et qu’il faut lire 1550...» (Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences des arts et des métiers, 1751-1772, entrada: École philosophie de l’; trad. port. em: A Enciclopédia, textos escolhidos, Editorial Estampa, 1974, pag.59).
E é por isso também que, à semelhança dos Enciclopedistas, eu diria que «não é sem espanto e sem aflição” que vi nos jornais dos últimos dias notícias a dizer que “os estudantes da Universidade de Coimbra se manifestaram contra o Processo de Bolonha» (sic)! (Espero somente que, também neste caso, se trate de uma gralha tipográfica do jornalista!).
Com a aplicação-implementação da Reforma de Bolonha está intimamente ligada essa outra reforma de que ainda não se viu nem mediu toda a importância e todo o alcance, a saber, a nova lei de acesso dos maiores de 23 anos ao ensino superior (DL 64/2006 de 21 de Março), que enterra definitivamente esse monumento arqueológico e arqueológico símbolo das nossas arqueológicas elites dominantes que eram os "exames ad-hoc", cuja finalidade real não era incluir, mas sim excluir das Universidades Portuguesas todos esses «intrusos ou futricas» que ousavam candidatar-se ao título e aos privilégios dos «Srs. Doutores»... Será que, finalmente, vai “acontecer” a «alfabetização» da sociedade portuguesa ao ritmo do século XXI (que é o ensino universitário, ao menos ao nível do 1.º ciclo, a licenciatura), “alfabetização” que é a condição ‘sine qua non’ do desenvolvimento cultural, económico, social e político de qualquer sociedade?
As diversas “Horas” mencionadas (“Hora da Lusofonia”, “Hora de Bolonha”, “Hora da campanha de alfabetização universitária para adultos”!) têm todas os mesmos objectivos de que inicialmente falamos («... o desenvolvimento de todos os Países e Povos da Língua Portuguesa») e, mais do que comuns, são os mesmos para a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e para a Universidade Lusófona do Porto. Como Reitor daquela e Presidente do Conselho Universitário desta, e querendo com isto significar também os meus agradecimentos e felicitações a todos os Corpos Directivo, Administrativo, Docente e Discente da ULPorto e os meus votos para que esta Cidade do Porto («Onde origem teve o nome de Portugal» e onde origem teve toda a Lusofonia!), cumpra a sua nobilíssima missão de capital europeia de todo o Norte de Portugal (que se estende pelo menos até ao Mondego) e de todo o Noroeste da Península Ibérica (que inclui toda a Galiza e alguns arredores), recordaria, apenas e a terminar, os conhecidos versos de uma canção da MPB, de Geraldo Vandré:
«Vem, vamos embora
Que esperar não é saber,
Quem sabe, faz a Hora
Não espera acontecer! <»BR>
E, sobretudo, o conhecidíssimo e mais que nunca actual verso de Fernando Pessoa:
«É a Hora»!
Discurso proferido no Dia da Universidade Lusófona do Porto, em 1 de Abril 2006