O português não é uma língua ameaçada, mas tal não justifica o actual alheamento relativamente às línguas minoritárias. Um artigo de Ana Martins no semanário Sol.
Existem cerca de 7000 línguas em todo o mundo: em cada 14 dias extingue-se uma delas.
Dificilmente esta notícia poderia receber destaque num jornal português. Desde logo porque a língua portuguesa não está em risco de extinção e também porque nunca houve, em território português, diferentes línguas em concorrência. Por outro lado, a esmagadora maioria dos portugueses não vê nenhum préstimo em aprender outra língua que não o inglês (segundo o estudo As imagens das línguas na comunicação intercultural, desenvolvido na Universidade de Aveiro). Aprender várias línguas é até sentido como prejudicial, em sintonia com a crença absurda de que a aquisição de outras línguas pode prejudicar a aprendizagem da língua materna. Também não ajudou a contrariar este cenário o facto de a investigação em línguas ameaçadas só se ter afirmado como disciplina linguística no final dos anos setenta. É neste âmbito, aliás, que friamente se faz o obituário das línguas do mundo, partindo do reconhecimento de que sempre morreram línguas (caso do etrusco, otomano, sumério, gótico, etc.) e estimando que, neste século, 3000 venham a desaparecer. É então importante fazer o registo, escrito ou áudio, da língua moribunda, para que fique o arquivo, mesmo depois da morte do último falante – e da do paciente arquivista.
Por tudo isto é fácil perceber que as noções de património imaterial ou de política linguística são música para os ouvidos dos nossos governantes e, enfim, para a população em geral.
Mas em Minde, Alcanena, há um polícia de profissão que dedica as suas horas vagas a ensinar minderico (tem três turmas!); acontece também que, em Munique, há uma aluna de pós-doutoramento que provou que o minderico é uma língua, tendo conseguido da Fundação Volkswagen financiamento para o estudo e documentação do «piar» de Minde.
Se falarmos do minderico a algum nosso conhecido e lhe dermos a conhecer algumas palavras — por exemplo, gargantear (cantar), tosar (comer), carrancuda (nuvem), regatinha (chuva), zé-pedro (bigode) — desenhar-se-á na sua face, muito provavelmente, um esgar de desdém. Pertence ele a um grupo lato de pessoas que acha, por exemplo, que não é grande avaria aprender espanhol, afinal, uma língua tão parecida com a nossa, e que assiste calmamente às notícias sobre a falta de habilitações dos professores de espanhol nas escolas públicas portuguesas. São os mesmos que levaram a sério o portunhol de José Sócrates, no comício do PSOE, ou o de José Saramago, numa reportagem da TVE.
texto publicado no semanário Sol.