A arte de titular, seguida de exemplos — um artigo de Ana Martins no Sol.
Há técnica e talento na criação de um bom título de notícia. Muito mais do que o título de um livro, o título de uma notícia determina a decisão de ler ou não ler o texto. O título noticioso tem de ter autonomia, clareza e densidade informativa, gerando no leitor, ainda assim (ou sobretudo porque é assim), a necessidade de ler o corpo da notícia.
Passemos em revista quatro títulos: dois maus e dois bons.
«Caixa cobra juros a clientes por atrasos da sua responsabilidade» (Público, 7/03/09). O possessivo sua afecta Caixa, ou clientes? A ambiguidade não é difícil de superar, dado que, se a responsabilidade fosse dos clientes, a notícia não tinha qualquer pertinência comunicativa. Mas sem dúvida que, num primeiro momento (que pode ser o único), esta construção perturba a interpretação.
«Vitória do MPLA nas legislativas não deve resultar na diminuição das liberdades – Human Rights Watch» (Lusa, 23/02/09). O verbo modal dever tanto pode indicar que a acção é provável ou possível como pode assinalar que a acção é obrigatória. Assim, a frase «O Zé não deve emagrecer» tanto pode significar que «é pouco provável que o Zé emagreça» como «o Zé está proibido de emagrecer mais (já está muito magro)». A ambiguidade do título da notícia da Lusa é particularmente grave, pois pode induzir numa avaliação positiva do papel do MPLA («é provável que o MPLA respeite as liberdades»), quando o que realmente é noticiado é uma atitude impositiva relativamente a esse papel («O MPLA tem de respeitar as liberdades»).
Agora os bons títulos.
«Crise nas editoras é um livro bem fechado» (Expresso, 21/02/09): o uso da expressão fixa, metafórica, produz um título sintético, surpreendente e elucidativo.
«Teixeira dos Santos: "Não há GPS para a crise, temos de nos guiar pelas estrelas, o problema são as nuvens"» (Lusa, 24/01/09): em retórica, chama-se a isto uma imagem, e o facto de o jornalista escolher uma citação, tão extensa, para título induz numa leitura: «isto só lido, tal qual foi dito, em discurso directo!»
Artigo publicado no semanário Sol de 14 de Março de 2009, na coluna Ver como Se Diz.