Em dia dedicado às línguas maternas, Ana Martins, no semanário Sol, de 21 de Fevereiro de 2009, propõe uma breve reflexão sobre a assunção do inglês como língua franca.
(...) 21 de Fevereiro (...) é o Dia Internacional da Língua Portuguesa, instituído pela UNESCO em 1999. O evento tem por objectivo promover a diversidade linguística e o ensino multilingue. A declaração de intenções tem pertinência, dado que mais de metade das 7 mil línguas faladas no mundo está em risco de extinção. Mas este dia torna-se automaticamente num pretexto para esgrimir argumentos contra a política de comunicação global e de construção da sociedade internacional de conhecimento. Em duas palavras, contra o inglês. O inglês idiomofágico. O inglês inimigo público das línguas naturais.
Em primeiro lugar, há que reconhecer que, se muitos gramáticos e linguistas portugueses conhecem aspectos da morfossintaxe do malaio ou se têm consciência da especificidade do sistema verbal das línguas eslavas, por exemplo, é porque os artigos de especialidade sobre essas línguas foram escritos em inglês. Do mesmo modo, se há linguistas estrangeiros que conhecem este ou aquele aspecto da gramática do português, é porque assistiram a alguma comunicação em inglês feita por algum linguista falante do português.
O número de falantes não nativos do inglês ultrapassa o número de falantes que possuem o inglês como língua materna. Um quarto da população mundial é já capaz de comunicar satisfatoriamente em inglês. Se isto traz consequências negativas, é, em primeiro lugar, para a própria língua inglesa: o inglês internacional está a singrar como uma variedade sem cultura, sem história, sem espírito nacional; além disso, está fundada, muitas vezes, em incorrecções e atropelos da gramática inglesa.
Mas veja-se o seguinte: olhar para a ascensão do guarani a língua oficial do Mercosul ou para o ensino de línguas nacionais africanas como ameaças ao português é o reverso da moeda do mesmo proteccionismo linguístico.
Finalmente: não está provado que fraseologias anglóides, do tipo «acontecimentos descomunais, absolutamente bigger than life» (Público, 2/02/09) partam de falantes do português que têm o inglês como língua de trabalho. O multilinguismo não é uma arma de combate contra o inglês, mas um meio de desvanecer esse fascínio pacóvio associado à «língua dos ricos».
Artigo publicado no semanário Sol de 21 de Fevereiro de 2009, na coluna Ver como Se Diz.