O mestre Rodrigo de Sá Nogueira, no seu Dicionário de Erros e Problemas da Linguagem (Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1974) indica que se deve escrever: «dezenas de milhares» e não *«dezenas de milhar».
Ponto de vista de Sá Nogueira:
Suponhamos que se trata de pessoas: Diremos: «duas dezenas de pessoas», não *«duas dezenas de pessoa», logo, logicamente, devemos dizer: dezenas de milhares, não *dezenas de milhar.
Este critério foi depois seguido pelos linguistas normativos, nomeadamente José Neves Henriques e Fernando Peixoto da Fonseca [assim com outros consultores do Ciberdúvidas, como Edite Prada]
Ponto de vista pessoal:
Matematicamente, pode defender-se outro ponto de vista:
Consideremos, na numeração decimal, que temos inicialmente, à direita, o grupo de dígitos (1 a 9) que representa a classe da unidade (pertencendo o zero ao grupo seguinte); assim, sucessivamente, até ao grupo 5, à esquerda, que representa a classe da dezena de milhar. Então, podemos dizer, neste grupo 5 que, por exemplo, o dígito 2 são duas dezenas da classe da dezena de milhar, ou abreviadamente, duas dezenas de milhar (em que milhar é um determinante no composto sintáctico).
Penso, porém, que, considerando o numeral aplicado como adjectivo, como fez Sá Nogueira (quantificadores na designação actual), perde-se coesão no grupo 5 se a palavra milhar for usada no singular, visto mesmo só uma dezena ser sempre mais que «um milhar de pessoas») A índole da língua, neste caso, pede a concordância no plural: duas dezenas de «milhares de pessoas».
Estou sempre aberto à inovação, mas sinto que devo respeitar os mestres e tentar perceber as razões ponderáveis por que teimaram em soluções que hoje parecem controversas.
N.E.– Nas suas Questões de de Linguagem (Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1928), Rodrigo de Sá Nogueira acrescenta estes outros argumentos:
«(...) É incontestavelmente dezenas de milhares, pela mesma razão que dizemos dezenas de homens, centenas de contos, milhares de ovos. No número, por exemplo, 374 856, temos:6 unidades, 5 dezenas, 8 centenas, 4 milhares, 7 dezenas de milhares, 3 centenas de milhares. A expressão 5 dezenas é elíptica e está por 5 dezenas de unidades. De igual modo, 8 centenas, por 8 centenas de unidades; 4 milhares, por 4 milhares de unidades; 7 dezenas, por 7 dezenas de unidades.»
Idêntico ponto de vista ao de Rodrigo de Sá Nogueira expressaram Agostinho de Campos e Vasco Botelho de Amaral:
1) «Dezenas de milhares. Dizemos todos ou quási todos: uma dezena de milhar, duas dezenas de milhares. Alguns querem que se diga: dezenas de milhar. A isto opõe um leitor (o sr. A.M. Monteiro Pacheco, de Paredes) o seguinte: "Não será exacta a forma dezenas de milhares, se queremos dizer dezenas compostas de milhares, assim como dizemos centenas de soldados, e não centenas de soldado? E como se deve dizer: dezenas de dúzias, ou dezenas de dúzia?" Toda a gente diz dezenas de dúzias, de léguas, de quilos. Mas toda a gente diz também, no singular do primeiro termo: uma dezena de dúzias, de léguas, de quilos, como diria dez dúzias, dez léguas, dez quilos. O ilogismo estará então na expressão dezena de milhar. Correcto será dizer-se uma dezena ou centena de milhares, assim como se diz dez ou cem milhares. E a expressão dezenas de milhares deve considerar-se não apenas legítimada pelo uso, mas concordante com o geral pendor da Língua e a lógica da expressão.» (Glossário de incertezas, novidades, curiosidades da língua portuguesa, e também de atrocidades da escrita actual, Livraria Bertrand, Lisboa, 1938).
2) «Dezenas de milhares. É mais correcto do que dezenas de milhar. Do mesmo modo, dizemos todos – dezenas de pessoas, e não pessoa. E dez milhares, e não dez milhar.» (in Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, Editora Educação Nacional, Porto, 1938)
N.E – Sobre esta controvérsia cf. os Textos Relacionados.