Uma esmagadora maioria dos linguistas, académicos e editores portugueses consultados está contra o Acordo. Uma notícia do Jornal de Notícias.
Se a implementação do Acordo Ortográfico dependesse apenas dos resultados do processo de consulta, há muito que o projecto teria sido abandonado. Das 27 entidades contactadas, apenas duas se mostraram favoráveis.
As dúvidas e críticas severas manifestadas pelos peritos da maior parte das instituições participantes não impediram que a ratificação do Acordo seguisse o seu rumo: o tratado que visa unificar a língua portuguesa aguarda apenas a promulgação do presidente da República para tornar-se uma realidade.
Nas respostas das 14 entidades que participaram no inquérito promovido pelo Instituto Camões, abundam as críticas. Entre pedidos adicionais de informações e o desconhecimento sobre as alterações a introduzir, não faltam, também, entidades, como a Associação Portuguesa de Linguística ou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), que solicitam "a suspensão imediata do processo". Ivo Castro, responsável do Departamento de Linguística Geral e Românica, chega mesmo a questionar se o Acordo "poderá ser, com o princípio de facultatividade em que assenta, um verdadeiro instrumento de uniformização, como qualquer ortografia pretende ser".
Mesmo entre os linguistas, o protocolo não reúne consenso. Inês Duarte, presidente da Associação Portuguesa de Linguística, adverte para os riscos que a dupla ortografia poderá trazer, "ao gosto e ignorância de cada um, com custos evidentes no ensino do Português como língua materna, segunda e estrangeira".
É no mercado livreiro que o tom mais apreensivo domina. Para a União dos Editores Portugueses (UEP), o Acordo só acarreta desvantagens, com destaque para o fim das exportações para o Brasil e a desactualização ortográfica dos livros já editados. Por isso, para fazer face às alterações, a UEP entende que "deve ser o Estado a suportar todos os custos".
O processo de consulta do Acordo Ortográfico decorreu já no último trimestre de 2005, mas só foi tornado público recentemente, através de um requerimento da deputada do PSD Zita Seabra - opositora de longa data do Acordo - dirigido aos ministérios dos Negócios Estrangeiros e Assuntos Parlamentares. Após consultar o dossiê que lhe chegou às mãos, a editora da Alêtheia confirmou os receios que já tinha. "É tudo precipitado, artificial e pouco ponderado. A ideia de aproximar o Português de Portugal do Português falado no Brasil é simpática, mas as diferenças entre ambos vão muito além da questão ortográfica", resume.
A fraca adesão foi outra das principais surpresas do processo. Das principais universidades convidadas a participar, apenas a Faculdade de Letras de Lisboa respondeu ao repto. Também a esmagadora maioria das editoras - como a D. Quixote, Asa, Caminho e Bertrand - optou por abster-se. A reacção não causa estranheza a Zita Seabra, para quem o silêncio é resultado do "desânimo generalizado", pelo que entende que, nas 13 abstenções, pode intuir-se uma "discordância absoluta aos contornos do processo".
A Academia das Ciências de Lisboa (ACL) e a Comissão Galega do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foram as únicas instituições que não levantaram reservas à entrada em vigor imediata do tratado. Uma reacção natural, já que ambas participaram activamente na elaboração do documento. Apesar disso, há nuances nas duas posições: enquanto a Comissão Galega defende que o Acordo "deve entrar em vigor tão cedo quanto possível", a Academia das Ciências solicita que "o período de transição e adaptação não seja inferior a 4, 5 anos".
in JN, 12 de Julho de 2008