Em artigo publicado no "Diário de Notícias" de 9 de Julho de 2008, Vasco Graça Moura critica o Governo português por não haver promovido, previamente, um debate público sobre o anunciado plano para a promoção do português no estrangeiro.
Este Governo [português] não tem emenda. Continua agarrado às manifestações de fachada e a não se preocupar minimamente com o rigor e a correcção daquilo que faz ou anuncia que vai fazer.
Uma das suas vítimas favoritas é a língua portuguesa. Tem-se visto abundantemente no que respeita ao Acordo Ortográfico. Mas agora, segundo o "Expresso", o Conselho de Ministros prepara-se para adoptar esta semana uma resolução lançando «as bases de uma política da língua».
Essa comovente iniciativa seria muito interessante se o Governo a tivesse feito preceder de um debate público convincente.
Mas limita-se a tomar como base um estudo coordenado pelo meu amigo Carlos Reis, cuja competência nesta matéria é, não duvido, muito superior àquela de que ele tem dado provas no tocante ao Acordo Ortográfico, mas cuja credulidade me suscita as mais sérias reservas, uma vez que, entre outras coisas, atribui a Luís Figo um papel canónico na promoção da língua portuguesa em Espanha...
O certo é que ficaríamos todos bem mais sossegados se fosse conhecida a posição do Ministério da Educação, das universidades e de outras instituições e se tivesse havido uma discussão pública séria destas e de outras análises, bem como das linhas e dos critérios enunciados para as bases de uma política da língua.
Mas o Governo tem pressa. Vem aí a CPLP e ele quer ter alguma coisa para mostrar, com o picante de pretender agora lançar as bases de uma política da língua sem auscultação dos restantes países interessados... Não tem emenda, repito.
Todavia, há coisas que, mesmo sob a égide simpática de Luís Figo, são difíceis de perspectivar e até de engolir para alguns países da CPLP.
Poderá o Governo português assentar em que Angola e Moçambique não têm «um peso internacional considerável»?
E em que é preciso esperar que o tenham para a língua portuguesa se internacionalizar?
Com isto, aceitará o Governo português que o mundo inteiro, com Angola e Moçambique à frente, se lhe ria na cara?
O Governo português, tão encrençado em TGVs, afinal estará disposto a deixar agachadamente que o Brasil seja «a locomotiva fundamental do processo» e «o grande interlocutor no universo da língua portuguesa para África»? Para África?
Poderá o Governo português tomar medidas credíveis e oportunas de uma política da língua a partir do nenhum rigor, do espírito de demissão e da patente incorrecção política e cultural de pressupostos deste tipo?
E acaso terá sido prevista alguma política para a uniformização da terminologia gramatical, depois de tudo o que se passou com a TLEBS do lado de cá? Ou caminha-se irreversivelmente para uma dupla gramática pela mão dos mesmos que tanto se eriçam com as consoantes mudas?
O mais intrigante de tudo é que está a ser desenvolvida desde há anos uma política para a língua portuguesa no mundo. A presidente do Instituto Camões descreveu-a na FLAD em 5.11.2007 (Promoção da Língua Portuguesa no Mundo, relatório da reunião de trabalho, Fundação Luso-Americana, Novembro de 2007, pp. 43-56).
Aí se desenha um conjunto de linhas de acção concreta, a que provavelmente continua a faltar uma boa dotação orçamental, ligados a uma «óptica de trabalho sobre e com a língua portuguesa: língua da comunicação, do trabalho, da ciência, da cultura, do direito e da diplomacia», na perspectiva articulada de três vectores. Resumindo muitíssimo: 1) intra-fronteiras dos países CPLP e organizações internacionais e regionais em que o português é língua de trabalho, como o espaço ACP; 2) estratégias de promoção da língua, da cultura portuguesa e das culturas em língua portuguesa, por Portugal enquanto Estado membro da UE, fazendo valer esta «como língua de oito vozes culturais»; 3) promoção da língua e cultura portuguesas por Portugal em correlação com os seus próprios interesses sociopolíticos, apostando na promoção do ensino no Magrebe, na China e na Índia, nos países da Organização dos Estados Ibero-Americanos, nos EUA e no Canadá.
Então o Governo português vai atrever-se a mandar todo este trabalho para o lixo? Ó Luís Figo, vá lá, faça sinal a esta gente de que assim ainda perde de vez o campeonato?
in DN, 9 de Julho de 2008