Uma notícia recente confirmou aquilo que era cada vez mais evidente: o Brasil está a despertar para a política da língua. De acordo com afirmações do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a promoção do português está associada à criação de uma Universidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; ao sublinhar que aquela política é «uma prioridade para o Brasil», o ministro notou ainda que a língua «é um instrumento de cultura, de conhecimento, de comunicação e de ciência».
Declarações como estas valem o que valem, não sendo de excluir que sejam motivadas por alguma conjuntural agenda política (o ministro estava em visita à Guiné-Bissau). Mas elas são, de qualquer modo, um sinal a que importa estar atento. E isto é tanto mais significativo quanto é certo que uma política de língua, sobretudo se orientada para a cena internacional, só terá a ganhar se for assumida, conjunta e solidariamente, pelo maior número possível dos países que têm o português como idioma oficial. Mesmo que a tal universidade não passe, por agora, do anúncio feito, aquele sinal não pode ser ignorado, como não pode omitir-se outra coisa: que, deixando de lado preconceitos (e que eles existem, existem), é fundamental o envolvimento do Brasil, se quisermos que a tal política de língua seja mais do que uma figura de retórica ou um assomo sem continuidade.
Do lado de cá surpreendemos também indícios que levam a pensar que alguma coisa pode estar a mudar. Descontando-se sempre a tal conveniência da conjuntura e a pressão da agenda, é sintomático que o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros Luís Amado tenha escolhido uma ida ao parlamento para acentuar a promoção da língua como uma prioridade para a política externa portuguesa; a também anunciada criação de um fundo (financeiro, subentende-se) destinado a apoiar aquela promoção fora das nossas portas constitui um gesto importante, se bem que não suficiente, para que uma política de língua chegue onde tem que chegar: à afirmação internacional, ao crescimento do nosso idioma em espaços em que isso pode acontecer, ao cancelamento da imagem do português como língua dos excluídos e dos emigrados.
O que fica dito só pode ser aprofundado se abandonarmos de vez a euforia de lugares-comuns como o dos 230 milhões de criaturas que falam português, esquecendo que muitas delas vivem chocantes situações de carência económica e de desqualificação social, cultural e cívica. E este imenso défice – que é antes de mais um défice de cidadania – tem consequências dramaticamente negativas na afirmação do poder da nossa língua como língua de cultura, de ciência e de civilização. Calemos, pois, o discurso do triunfalismo e vamos ao que importa.
Entre muitas outras coisas, importa reconhecer que, neste plano, abundam as intenções e as iniciativas, mas escasseia a união de esforços e falta a consagração de um pensamento estratégico que eleja a concertação como um dos seus sentidos fortes. A prioridade da concertação afirma-se tanto no eixo do ensino, tendo que ver com a articulação de esforços entre vários agentes, como no eixo da distribuição geográfica, implicando a conjugação de recursos, em cenários que o justifiquem. Ao mesmo tempo, a concertação deve ser valorizada no quadro de interesses comuns aos diversos países de língua oficial portuguesa, com destaque para o Brasil, que é um aliado, não um inimigo. A isto juntam-se outras possibilidades: as alianças estratégicas com agências e com agentes económicos, com fundações e em geral com entidades da sociedade civil detentoras de potencial de actuação neste domínio. E como é sobretudo aqui que as intervenções político-diplomáticas se revestem de um importância considerável, passe-se a palavra aos protagonistas para que eles falem e ajam de forma clara e expressiva.
artigo publicado originariamente na revista Visão de 29 de Maio de 2008