Chama-se palimpsesto ao pergaminho manuscrito que, na Idade Média, era raspado para se poder voltar a escrever nele. Reciclagem à moda antiga.
Por associação de ideias, palimpsesto é um termo usado para explicar que, muitas vezes, um discurso entra em diálogo com outros discursos, dizeres ou vozes, de outros tempos e lugares, cumprindo novos propósitos comunicativos. Por debaixo de um enunciado há outro enunciado. Interpretar um texto é, então, dar conta de como outros dizeres aí ressoam.
Este fenómeno é uma constante da comunicação e é muitas vezes projectado nos títulos dos artigos de jornal: «Separar o trigo do diesel» (Público, 25/4/08), sobre a produção de biocombustível, que exige muito combustível fóssil; «As bases e os "barões" assinalados"» (Público, 1/5/08), sobre a polarização entre militantes incógnitos e militantes notáveis do PSD; «Pouca terra ou pouco tino?» (Público, 5/5/08), sobre o desastre económico que pode ser o TGV.
Portanto, quando se diz que a língua é cultura e história é preciso ter em mente a língua em uso, para além do sistema abstracto de regras gramaticais. Um enunciado formado impecavelmente segundo os princípios de codificação e postulados de significação pode não ter sentido nenhum. O significado é dado pelo dicionário e pela gramática, mas o sentido é criado a partir do conhecimento do que já foi dito e do que se diz numa comunidade de falantes.
Por isso é que um brasileiro teria dificuldade em perceber o terceiro título citado. Para ele, o comboio faz "café com pão, café com pão", para nós, "pouca terra, pouca terra". E a língua é a mesma.
Artigo publicado no semanário Sol de 10 de Maio de 2008, na coluna Ver como Se Diz