Afinal, quando um rei fala e se indigna ainda causa ondas de reacção em boas repúblicas: primeiro, as notícias, depois as opiniões de rua, pelo meio as piadas (Faça já de «Por qué no te callas?» o toque do seu telemóvel!), a seguir os debates. Foi por ter assistido ao programa Pós e Contras da RTP que o nosso leitor Segismundo de Bragança se lembrou de perguntar: é «Porque não te calas?», ou «Por que não te calas?»?
Depende: nos media brasileiros, escreve-se «Por que…? »; nos portugueses, «Porque…?». A que se deve isto? Em Portugal fixou-se, por diploma legal, que porque é elemento unitário. A separação só é admitida quando há um nome ou grupo nominal expresso: «Por que motivo/razão/raio/carga de água não te calas?» No Brasil, determinou-se oficialmente que a separação por que é que é válida.
Quem tem razão, Brasil ou Portugal? Ambos. Porque escreve-se sem separação, se virmos nessa forma um advérbio interrogativo; por que escreve-se separadamente, considerando que por é uma preposição e que um pronome.
Mas então andam os linguistas a estudar a língua para dizer que tanto faz dizer assim como assado?
Para já, a linguística permitirá sempre fundamentar objectivamente as convenções normativas (ainda que de modo incompleto, claro está), evitando que se fixem as normas por determinação do bom gosto ou caturrice do gramático. Depois, a reflexão sistemática sobre a língua permite descobrir o que está para além de uma específica convenção. Permite perceber que por que, separado, é também perfeitamente correcto na norma portuguesa, em construções como «Por que te orientas?», «Por que se orientavam os navegadores de quinhentos?», pois trata-se de frases em que ocorre a elipse do nome: «Por que valores/ideais/instrumentos de navegação te orientas?» Repare-se que também não há junção em, por exemplo, «De que (coisa) te queixas?».
Entretanto, o enredo continua: Chávez falou de mais (ou demais?) e está agora à espera que o rei lhe peça desculpa, se não… (ou senão?)
*Artigo publicado no semanário Sol de 1 de Dezembro de 2007, na coluna Ver como Se Di