O provérbio «Não há fumo sem fogo» é considerado um dos mais universais por ser reconhecido até nas sociedades mais primitivas, segundo o investigador do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (IELT) Rui Soares.
Outro dos "candidatos" é «Nem tudo o que luz é ouro», conhecido em vários cantos do mundo mas não tão universal, porque deverão existir sociedades em que «nem se sabe o que é ouro».
A maior parte dos provérbios portugueses estão ligados à agricultura, à gastronomia ou ao calendário religioso e a sua criação exige a captação e observação prolongada de realidades, refere o antigo professor de Matemática.
Provérbios como «Em Janeiro a pescada vale como carneiro», «Pelo S. João sardinha pinga no pão» ou «Pelo São Martinho vai à adega e prova o vinho» são exemplos de como a sabedoria popular alia a gastronomia a datas do calendário litúrgico numa mesma expressão.
As estações do ano também são matéria-prima para muitos provérbios, como «Março Marçagão, manhãs de Inverno tardes de Verão», ou «As tardes de Agosto mal dão para ir ao poço», numa alusão ao facto dos dias começarem a diminuir a partir daquele mês.
«A maioria tem equivalência noutros países embora as personagens e datas possam ser diferentes», afirma o mesmo investigador, realçando que a tradução é o maior problema dos estudiosos, por ser complicado traduzir uma expressão que contém em si «milhares de imagens».
Existem muitos provérbios da Antiguidade de que chegaram até aos dias de hoje como «Todos os caminhos vão dar a Roma» ou «A César o que é de César», embora Rui Soares defenda que os provérbios possam evoluir, tomando a mesma base.
«Quem sabe um dia não estaremos a dizer «Todos os caminhos vão dar a Tavira» ou «A Cleópatra o que é de Cleópatra», este último já utilizado por algumas pessoas?», questiona.
«Muitos dos novos provérbios que surgem são adaptações a novas situações, baseados nos antigos», afirma, considerando que a evolução social conduz naturalmente a novos provérbios.
O fascínio pela Paremiologia, ciência que estuda os provérbios, surgiu quando Rui Soares se apercebeu dos pontos comuns que existem entre a Linguística e a Matemática, muito visíveis na estrutura dos provérbios.
O antigo professor organizou recentemente no Algarve, em colaboração com a Sociedade Finlandesa de Literatura, o I Colóquio sobre Provérbios, o primeiro a nível mundial sobre este tema.
Reforçar a ideia de que os provérbios são um bom instrumento de manutenção da identidade popular e uma das "armas" para poder criar uma herança cultural comum na Europa foram objectivos do colóquio, que reuniu em Tavira representantes de cerca de 18 países.
Para que um provérbio seja entendido como tal é preciso que decorra algum tempo, para que a sociedade lhe reconheça essa função, explica o investigador.
Rui Soares admite que os provérbios possam estar em "letargia" mas nega que estejam em extinção.
«Antigamente, aos serões havia o hábito de se contar histórias e essa era uma das principais fontes de transmissão de conhecimento», afirma, acrescentando que o que se perdeu em oralidade ganhou força na palavra escrita.
«Antes um provérbio precisava de muito tempo para se sedimentar, hoje com as tecnologias da informação em menos de nada se propaga», sublinha, criticando no entanto que a temática seja pouco abordada nas escolas.
De acordo com Rui Soares, os jovens têm uma tendência natural para rejeitar tudo o que é antigo, adoptando mais rapidamente expressões que ouvem na televisão do que provérbios tradicionais.
O investigador defende que os provérbios deviam ser discutidos nas escolas, por ajudarem a manter a identidade e a cultura nacionais e terem um papel fundamental na educação.
in Observatório do Algarve, de 17 de Novembro de 2007, de uma notícia da "Lusa"