O título da crónica desta semana podia ser também: «ver como o que se diz não se faz».
Diz-se que o ensino do português no estrangeiro é uma questão nacional. Cavaco Silva, de visita aos EUA no passado mês de Junho, declarou que os portugueses no estrangeiro são os guardiães da língua portuguesa no mundo. A Constituição estabelece como um direito o ensino do português junto das comunidades emigrantes.
Percebe-se que assim seja. Os filhos dos emigrantes que falem a língua do país onde estão e, simultaneamente, dominem bem o português têm vantagens profissionais, porque podem participar num espaço de trabalho empresarial e comercial muito mais alargado. Para além disso, sendo a língua veículo de acesso directo a uma cultura e visão do mundo, há, na aprendizagem do português, a construção da identidade dos luso-descendentes enquanto portugueses, o que é particularmente relevante sobretudo em países onde a obtenção da nacionalidade para os membros das comunidades emigrantes está longe de ser fácil.
Mas o que se faz pelo ensino do português no estrangeiro é muito pouco — e este ano é já exemplo negativo.
Com a entrada em vigor do novo regime jurídico do ensino do português no estrangeiro, os professores de Português deixaram de estar destacados por quatro anos e passaram a ter de pedir licença sem vencimento, tendo de concorrer num concurso local válido por apenas um ano. Isto porque o Ministério da Educação passou a responsabilidade do serviço docente no estrangeiro ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O concurso deste ano abriu em 19 de Julho, mas em muitos países as aulas começam já no início de Agosto. Acresce que este concurso não contempla sequer o preenchimento de todas as vagas existentes. O que vai acontecer é que muitos alunos vão ficar sem professor — por exemplo, na Alemanha, estima-se que 900 alunos não possam ter aulas de Português neste ano lectivo. Outro caso particularmente grave é o de Newark, nos EUA.
Como nem o Ministério da Educação nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros apresentaram até agora qualquer medida de reparação urgente desta situação, é possível fazer o diagnóstico: incúria.
*Artigo publicado no semanário Sol de 4 de Agosto de 2007, na coluna Ver como Se Diz