O artigo publicado no jornal "Expresso", no dia 4 do corrente, sob o título "A incerteza em linha" (Cartaz, Actual), em que sou mencionado, sugere-me algumas considerações. A primeira, e seguindo a ordem do texto, é acerca do uso de obrigado, -a, -os, -as; o seu autor escreve: «Sempre foi normal um homem dizer "obrigada", e é vulgaríssimo ouvir-se a uma senhora "obrigado".» Contesto: não é "normal" um homem dizer "obrigada", é apenas erro disparatado, atribuível talvez a desleixo do uso da sua língua, que é a de todos nós. Já uma senhora dizer "obrigado" é, actualmente, correcto, pois o vocábulo tornou-se invariável (em advérbio, ou melhor, interjeição), embora continue a estar certo uma mulher dizer, facultativamente, "obrigada", porque é ela que fica "obrigada" (particípio passado / adjectivo verbal) a quem deve algum favor, e esta noção ainda não se encontra completamente esquecida. Se o leitor e a sua mulher estiverem a agradecer seja a quem for (uma ou mais pessoas, homens, mulheres, ou homens e mulheres), pode dizer "muito obrigado" (uso adverbial) ou "muito obrigados" (particípio passado no plural masculino), que o engloba e à sua parceira. Concordo com tudo o que diz sobre "sim, senhor" (ou senhora); se estivermos muito admirados, por exemplo, é-nos lícito exclamar "sim, senhora!", sem pensar em qualquer espécie de interlocutor, que pode até nem existir. Fenómenos interessantes da língua portuguesa!
Não vejo, pois, que Ciberdúvidas não esteja na razão ao defender o exposto acima acerca do emprego de obrigado, etc. Por outro lado, na realidade, nem sempre há certezas, mesmo sem se tratar de etimologias, caso mais sujeito a dúvidas. O uso e o correcto andam lado a lado, por vezes contrariando-se, até que um se impõe, geralmente o uso, mas sempre ao cabo de largos anos. Até lá compete a quem sabe (ou julga saber!) algo deste "escabroso" tema criticar o uso, quando de qualquer modo violenta o que na altura se acha correcto, graças a demorado uso anterior.
Agora, e sempre acompanhando "pari passu" o texto do artigo, cumpre-nos agradecer as amáveis palavras que nos são dirigidas, bem como à minha Colega Dr.ª Teresa Álvares: Bem haja!
É evidente que nem todas as nossas respostas são as mais felizes, e, por outro lado, a chamada norma também vai variando, como atrás fiz ver. Daí, até censurar o meu distinto Colega Dr. José Neves Henriques pela sua sensibilidade eufónica, vai um bocado longe de mais, apesar de eu próprio ser de opinião que tudo o que meta ritmo e eufonia é bastante subjectivo e mais próprio de escritores e poetas (artistas) que de linguistas mais ou menos caturras (gramaticões!). José Neves Henriques é um dos mais notáveis professores da especialidade, com sobejas provas dadas em dezenas de anos de ensino e consultório de português nas páginas de várias publicações, em que assinalo os boletins da Sociedade da Língua Portuguesa (de que é Sócio de Honra) e o "Diário de Notícias". E é curioso que, apesar de algumas naturais divergências, estamos quase sempre de acordo, facto que não passou despercebido a um ilustre engenheiro, que há pouco se enfronhou nas nebulosas do português e, segundo me disse, passou a considerar muito mais científicos estes estudos por verificar em nós tão raras discordâncias, o que mostra que há pouco de subjectivo em tais lides.
Continuando estes comentários, "Ciberdúvidas" não tem culpa de que haja pessoas que nunca leram ou ouviram os autores que Fernando Venâncio cita, ou porque ainda não tinham nascido, ou por falta de leitura, ou por ao tempo ainda não possuírem televisão (ou rádio, lá mais para trás). Por isso, temos de atender a essas dúvidas, "refilando" apenas quando os assuntos já foram tratados pela equipa de "Ciberdúvidas". Nesta ninguém achincalha ninguém, mas é de realçar que muitas dúvidas poderiam não existir se os consulentes usassem mais um modesto dicionário ou uma gramaticazinha, em vez de não o fazerem, sabe-se lá porquê.