Num debate radiofónico, em Luanda, sobre a idade certa do início do namoro e a proibição do uso de preservativo por algumas religiões em Angola, foi o adulto quem tropeçou na conjugação errada do pretérito perfeito do verbo dizer. Crónica do autor, na sua coluna “Professor Ferrão”, do semanário “Nova Gazeta”, de 23/01/2014.
Este título foi retirado de um debate radiofónico de uma das estações mais ouvidas em Angola. O tema era muito interessante e atraía muitos jovens com as mais diferentes ideias. Discutia-se «o sexo e a sexualidade», as transformações próprias da puberdade, cuidados que os jovens devem ter com o corpo, as consequências que podem advir do mau comportamento, sendo que as «mais graves», segundo um dos convidados no estúdio, eram «ter uma gravidez precoce ou indesejada ou contrair o VIH/sida».
Ao telefone estava uma ouvinte, uma menina de apenas 14 anos, que queria, saber a diferença entre as duas variáveis apresentadas para a discussão, sexo e sexualidade, porque não lhe parecia haver «qualquer diferença».
O moderador tentava clarificar as questões porque a comunicação por telefone fazia-se com muitos cortes e, às vezes, não se conseguia perceber as perguntas dos ouvintes.
«Eu quero saber qual é...», diz a menina.
«Desculpa, não percebi. O que foi que tu dissestes?», pergunta o moderador.
E a discussão continuou com algumas divergências sobre a idade certa do início do namoro, a proibição do uso de preservativo por parte de algumas religiões e, claro, a discordância no uso incorrecto da segunda pessoa do singular ‘tu’ com a forma verbal ‘dissestes’, da segunda pessoa do plural.
É isso mesmo. Não há concordância em ‘tu dissestes’, porque a forma verbal no pretérito perfeito correspondente a ‘tu’ não termina em ‘s’ em qualquer uma das conjugações. ‘Dissestes’ correspondea uma forma que quase já não se usa (vós), mas que não anda perdida nem esquecida. Portanto, não devemos banalizá-la.
O ideal e correcto é dizermos «o que foi que tu disseste», sem o ‘s’, repita-se. À semelhança deste caso, como já se disse numa das nossas aulas, não se deve dizer, por exemplo, ‘você falaste’, pois apesar de ‘você’ e ‘tu’ se referirem à pessoa com que se fala, ‘você’ selecciona a forma verbal da terceira pessoa, neste caso ‘você falou’.
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in semanário Nova Gazeta, de Luanda, publicado no dia 23 de janeiro de 2014 na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.