Na reportagem de capa da revista "Pública" de 24 de Dezembro de 2000, emprega-se o singular de apelidos em regências que, segundo a tradição linguística portuguesa, pedem o plural: o Costa > os Costas; o Azevedo > os Azevedos, etc.
A construção que o "Público" preferiu é estruturalmente francesa: «os Costa», «os Azevedo», etc.
Na primeira "Gramática da Linguagem Portuguesa", publicada em 1536 e reeditada em Fevereiro de 2000 pela Academia das Ciências de Lisboa, Fernão de Oliveira escreve que os nomes portugueses têm plural, «tirando Domingos, Marcos e Lucas, que não variam seus números». Doutrina basicamente semelhante se indica para Portugal e o Brasil na "Nova Gramática do Português Contemporâneo", da autoria do investigador brasileiro Celso Cunha e do português Lindley Cintra.
Exemplifiquemos: Cavaco > os Cavacos > os irmãos Cavacos; Zé Manel > os Zé Manéis; Ferreira do Amaral > os Ferreiras do Amaral (como, neste caso bem, a "Pública" grafou). A linguagem popular portuguesa do século XX mantém-se fiel a tal flexão, o que se comprova na seguinte sentença: «Onde pintam Marias não pintam Manéis.» Aliás, não é estranha à linguagem corrente da sua época (séc. XVI) a norma que Fernão Oliveira menciona. E, como no Grego e no Latim estes nomes se empregavam na forma singular, pode dizer-se que a sua flexão plural constitui um dos muitos traços que, no advento do Português, de algum modo o permitiram distinguir da língua-mãe (o Latim vulgar da Península Ibérica).
Nos estratos "altos" da sociedade portuguesa dos séculos XIX e XX e na prosa de alguns ficcionistas contemporâneos [note-se: no registo do narrador; não no registo da expressão peculiar de uma personagem], ocorre a construção «os Sousa», «os Azevedo», mas isso coexiste com expressões de mau estilo e origem diversa, como «é suposto» (em vez de supõe-se) ou «à última da hora» (à última hora). Os estratos dominantes da escala social não são necessariamente os que se exprimem melhor em Português.
Carta publicada na revista "Pública"