Estão podres as palavras... - Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Estão podres as palavras...


Estão podres as palavras — de passarem
por sórdidas mentiras de canalhas
que as usam ao revés como o carácter deles.
E podres de sonâmbulos os povos
ante a maldade à solta de que vivem
a paz quotidiana da injustiça.
Usá-las puras — como serão puras,
se caem no silêncio em que os mais puros
não sabem já onde a limpeza acaba
e a corrupção começa? Como serão puras
se logo a infâmia as cobre de seu cuspo?
Estão podres: e com elas apodrece o mundo
e se dissolve em lama a criação do homem
que só persiste em todos livremente
onde as palavras fiquem como torres
erguidas sexo de homens entre o céu e a terra.

 

Fonte
Incluído na antologia Poesia-III, Moraes Editores, Lisboa. O poema "Estãos podres as palavras" foi publicado pela primeira vez no livro "Conheço o sal... e outros poemas" em 1974.

Sobre o autor

Jorge de Sena (Lisboa, 1919 — Santa Bárbara, 1978) foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português, naturalizado brasileiro onde  viveu  alguns anos antes de se mudar para os EUA. Com vasta e muiltímoda obra pubicada,  o seu livro ficção mais famoso é o romance autobiográfico Sinais de Fogo. Cf. A evolução de plafom, o cinema no Cuidado com a Língua!,a invasão linguística da Web Summit e os alertas de Jorge de Sena + O Século de um Intelectual Indispensável.