Desagradecidos Portugueses, e desnaturais, são os que, por desculparem sua negligência, culpam a pobreza da língua. Bem sei que se na minha eloquência lançarem prumo, que lhe acharão poucas braças; mas nunca tão desleal serei à terra que na vida me sustém, e na morte consigo me há-de abraçar, que por me escusar a acuse, e por me livrar a condene...
... Trabalhei nas horas furtadas de vinte dias que passaram desde que levei a V. A. o tratado sobre os Psalmos até agora, por enfraquecer a falsa e vã opinião que da nossa língua conceberam muitos, taxando-a de pobre, não copiosa, dura e não ornada, injuriando-a de bárbara e grosseira, agravando-a com a gabarem em trovas leves, em comparações e apodaduras de homens com abatimento de sua pessoa, graciosos. E pois (1) eu, pela criação em terras estranhas, e não muita lição de nossos autores, de tal maneira pus em nosso comum falar estilo tão subtil, tão basto de figuras, tão espesso em sentenças, tão luzido de bons ditos, tão discreto em avisos, e fiado tão delgado; não somente com me nunca ver em afronta de necessidade (se não foi de escolher) mas ainda com rastejar todos os primores do latim – quanto mais eloquentes devem ser, e são, os que usam do mel do Paço, da doçura cortesã, e no tesouro de suas lembranças têm feitas provisões de palavras em abastança...
(1) = se, visto que.
Título de Ciberdúvidas. Tradução portuguesa do "Panegírico de Plínio a Trajano", dedicatória a el-rei D. João III, citada por Severim de Faria, "Discurso" II, in "Paladinos da Linguagem", 1.º vol., Aillaud e Bertrand, Lisboa, 1921.