A língua em que trabalha Anatole France é da mais pura liga. Admiremo-la e invejemo-la!
A nenhum povo concedeu a caprichosa Providência uma dinastia de lapidários da linguagem como a que teve a França do século de Corneille, de Racine, de Boileau, de Fénelon e de La Fontaine.
Pelo que diz respeito à língua portuguesa, foi só, desde Bocage, com Garrett, Castilho e Latino, que se tornou possível ajustar gradualmente a linguagem da Renascença camoneana, tão bela mas tão antiga na sua imponência hierática, às necessidades de expressão da época actual.
São ingratos os que desdenham da contribuição de equilíbrio com que nessa delicada operação evolutiva entram o austero escrúpulo de Herculano, o copioso vocabulário de Camilo, as audácias irreverentes de Fialho e a aplicação que Eça de Queiroz fez da fluente, translúcida, polida sintaxe francesa, à língua literária ainda demasiado compacta, complicada, eriçada de conjunções, que o autor do "Eusébio Macário" – a quem só faltou o bom-gosto – levara cinquenta anos a acomodar às exigências do romance e da sátira.
De toda essa laboriosa contribuição de artífices, a verdade é que, ainda hoje, não possuem as duas literaturas de língua portuguesa uma sintaxe de perfeição impecável e sóbria precisão, semelhante à da prosa lapidar do autor do "Lys Rouge"; e que ainda é preciso recorrer com frequência aos modelos antigos para usar com digna compostura o vocabulário copioso, opulentíssimo, reunido em alguns séculos por um tão pequenino e agitado povo. A tendência de muitos dos modernos escritores é, infelizmente, para a complicação – o que os divorcia da helénica lição anatoliana.
Há um retrocesso para o bizantinismo e a ênfase, embora artistas como Bilac, Vicente de Carvalho, Alberto d'Oliveira (o português), Antero de Figueiredo, Teixeira Gomes, e outros ainda, permaneçam fiéis à tradição garretiana, de que Machado de Assis e Eça de Queiroz foram – sem sacrifício da sua altiva individualidade – os continuadores.
Cada vez mais o bom-gosto é condição suprema da arte literária. Uma civilização que ressuscitou os gozos estéticos das atitudes clássicas nos bailados; que devolveu à beleza física o seu prestígio antigo e lançou outra vez aos estádios dos jogos a juventude, não poderia deixar de exigir nas formas superiores da arte, na música como na literatura, essa proporcionada harmonia e essa dignidade estética, a que os requintados Helenos prestaram reverente culto.
de "A Verdade Nua", Lisboa, 1920.