Obra com 228 mil verbetes para 220 milhões de lusófonos
O mais completo dicionário da língua portuguesa, o Dicionário Houaiss, chegará às livrarias no segundo semestre [de 2001], anuncia a editora [brasileira] Objetiva, do Rio de Janeiro. A primeira versão dos originais foi concluída em dezembro, quando a última das letras trabalhadas, a T, foi entregue pelo Instituto Antonio Houaiss, que prepara o dicionário, ao editor Roberto Feith. Ele tinha recebido a primeira letra pronta, a B, em fevereiro de 2000. Desde então, a Objetiva trabalha intensamente na revisão e finalização do dicionário e, para isso, praticamente se duplicou. Em escritórios separados da sede, uma equipe de 35 profissionais se dedica em tempo integral à revisão dos originais. "Estamos fazendo quatro revisões, sendo que a primeira delas é constituída de três leituras - portanto, fazemos ao todo seis leituras", diz Feith. O processo de preparo do Houaiss é liderado pelo editor Alfredo Gonçalves, sócio da editora. Da parte do Instituto Antonio Houaiss, o trabalho é comandado pelo lexicógrafo Mauro Villar, sobrinho de Houaiss. Outra figura chave no processo de nascimento do dicionário é Francisco Melo Franco, diretor do Instituto Antonio Houaiss.
Villar e Melo Franco estão, no momento, em Lisboa, onde o instituto tem uma segunda sede. Lá se desenvolve uma segunda versão do dicionário, destinada ao português de Portugal, a sair com o selo da editora Círculo de Leitores.
Em Portugal, o projeto Houaiss recebe apoio financeiro do Instituto Camões, do Instituto do Livro e da Fundação Gulbenkian. "Esse suporte é um reconhecimento de que o Houaiss será o novo paradigma de conhecimento da língua portuguesa falada em todo o mundo", diz Feith. "Além de ser o mais completo e mais inovador, é efetivamente lusofônico, abrangendo a língua falada por 220 milhões de pessoas em todo o mundo." A versão portuguesa do Houaiss está, contudo, mais atrasada e só deverá ser lançada em 2002. O atraso é explicável. A matriz das duas versões do dicionário foi desenvolvida no Rio de Janeiro. Cada letra que se concluía era enviada a Portugal onde, nas mãos de uma equipe de lexicógrafos portugueses, os verbetes são agora submetidos a um processo de adaptação lingüística. No Brasil, o lusismo é uma informação adicional apresentada na conclusão de cada verbete. Em Portugal, ao contrário, é a acepção brasileira de cada palavra que fica no fim. A equipe portuguesa é chefiada pelo filólogo Malaca Casteleira. O Dicionário Houaiss foi efetivamente concebido como dicionário lusofônico. Ele está enriquecido com palavras usadas nos Açores, ilha da Madeira, regionalismos brasileiros e portugueses, palavras dialetais do Brasil e de Portugal e palavras específicas do universo vocabular de São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Macau e Timor Leste.
Comparações - Por uma questão de ética, o editor Roberto Feith evita, de todas as formas, comparar o Houaiss a outros dicionários brasileiros disponíveis - em particular, esquiva-se da comparação com o Aurélio, o principal concorrente. Tal cotejo, no entanto, parece inevitável.
Sabe-se que o banco de dados do Dicionário Houaiss tem aproximadamente o dobro de tamanho do Aurélio, em termos de quantidade de informação. Isso não quer dizer que tenha o dobro de verbetes. O Houaiss terá 228 mil verbetes enquanto o Aurélio, em sua versão Século 21, apresenta 160 mil verbetes. O Houaiss terá, portanto, 68 mil verbetes a mais que o Aurélio. Por outro lado, o Aurélio tem 272 mil definições, enquanto o Houaiss terá 382 mil. A definição, cabe explicar, distingue-se do verbete. O verbete é uma entrada plena - uma palavra com a origem, etimologia, datação, etc. Já a definição é apenas uma acepção. Uma mesma palavra chega, em alguns casos, a ter até seis ou oito acepções. Dentro desse critério, o Houaiss terá 110 mil definições a mais que o Aurélio. O que lhe conferirá o dobro do tamanho não será o número de verbetes, mas a natureza dos verbetes. Os verbetes do Houaiss serão, além disso, muito mais completos. "Ele incorpora características que representam o que há de mais moderno em termos de dicionários no mundo", o editor assegura. Entre outras coisas, o Houaiss trará no corpo dos verbetes extensos grupos de sinônimos, variantes e antônimos, levantamentos de homônimos, parônimos, coletivos, assim como informações de gramática e uso.
O filólogo Antonio Houaiss começou a trabalhar em seu dicionário no início dos anos 80. Depois de oito anos consecutivos de dedicação, foi obrigado a interromper o projeto por falta de recursos. Ele só foi retomado em 1995 quando Francisco Melo Franco, Mauro Villar e o próprio Houaiss, hoje falecido, procuraram o editor Roberto Feith em busca de uma parceria. O dicionário se viabilizou graças, ainda, aos esforços de Melo Franco, que conseguiu captar recursos para montar uma equipe de mais cem especialistas, que passaram a trabalhar em tempo integral na sede do instituto, sob a liderança de Villar. Ao todo, foram investidos cerca de R$ 7 milhões. De sua parte, a editora Objetiva estará investindo, até o lançamento, outros R$ 4,2 milhões. O projeto da Objetiva não inclui apenas o grande dicionário, mas uma versão em CD-ROM, a ser lançada imediatamente, e uma versão escolar, que já está também bastante adiantada, deve ser lançada poucos meses depois da chegada do grande Houaiss às livrarias e promete ser a melhor do gênero.
Rapidez - Outro fator importante foi o desenvolvimento de um programa de computador especial, em formato de banco de dados, que viabilizou uma sincronia no trabalho simultâneo da uma centena de pessoas envolvidas. "Cada vez que um pesquisador contribuía com uma definição, um sinônimo, uma palavra que fosse, os outros tinham imediatamente acesso à nova informação", Feith diz. "Só assim o trabalho pôde ser concluído em cinco anos." Para isso, foram desenvolvidas máscaras e soluções técnicas específicas. Sua estruturação seguiu rigorosos padrões técnicos de controle no campo da pesquisa lexicográfica e da técnica de dicionarização. "As palavras que citam outras ou para elas remetem ficaram ligadas entre si por um vínculo numeral automático na memória do computador, para evitar remissões a algo que não exista no dicionário", Feith exemplifica. Se a palavra remetida não fosse encontrada pelo sistema de computação, ele abriria esse novo verbete e informaria ao redator o fato.
Os verbetes do Houaiss têm, em média, mais acepções por palavra que o Aurélio. Uma diferença importante está na área da etimologia, até porque Houaiss era um sábio da etimologia da língua portuguesa. Seu dicionário aprofunda o estudo da origem das palavras e muitas vezes corrige, ainda, suposições etimológicas de outros dicionários. O Houiass traz também um minucioso histórico de cada palavra, especificando como ela evoluiu ao longo do tempo. Uma das inovações trazidas pelo dicionário é a datação, isto é, ele é o primeiro dicionário brasileiro a registrar a data do início do uso da acepção original de cada palavra, mostrando a primeira vez em que ela foi identificada na língua escrita. Apresenta, além disso, os sentidos que cada palavra passou a englobar a partir da primeira acepção.
O Houaiss ajuda, ainda, os que desejarem criar neologismos, indicando como fazer. O dicionário pega os elementos formantes latinos e gregos para explicar como eles podem ser usados pelo leitor na criação de neologismos.
Por exemplo, não existe no português uma palavra única que queira dizer "cor de romã". Basta, então, ir aos verbetes cor e romã, para encontrar, no fim deles, a relação de elementos utilizáveis no início e no fim da palavra com as noções de cor e romã.
Etimologia - O Dicionário Houaiss aprofunda o estudo da origem de cada palavra (etimologia) e muitas vezes corrige suposições etimológicas dos outros dicionários. Ele remete de cada etimologia para o verbete do elemento mórfico que é a base daquela palavra. Ainda relaciona cada etimologia com as que tenham o mesmo formante, para que o leitor tenha uma idéia de conjunto da língua, e acrescenta na etimologia algumas ortografias históricas que a palavra teve.
Os editores estão preocupados, além disso, em obter uma legibilidade máxima.
Para isso, foi desenhada uma tipologia inteiramente nova, e muito bem resolvida, pelo professor Rodolfo Capeto, da Escola Superior de Desenho Industrial; ela foi batizada de "fonte Houaiss". O dicionário adota, ainda, conquistas e soluções que se provaram sucessos em alguns dos mais conceituados dicionários do mundo. Por exemplo: as observações, notas e remissões pertinentes a cada acepção são feitas por meio de ícone colorido próprio (sinal de índice). Cada campo do verbete (acepções, plural com sentido próprio, locuções, etimologia, informações de uso e gramática etc.), é claramente delimitado por um esquema de ícones coloridos que facilitam muito encontrar a informação que se procura.
Com Houaiss, a editora Objetiva dá um salto no "ranking" das grandes editoras brasileiras, alinhando-se, definitivamente, entre as mais importantes delas.
O catálogo da casa, de todo modo, já apresenta hoje cerca de 300 títulos ativos - ao todo, já foram publicados cerca de 500. O jornalista Roberto Feith comprou a editora em 1991, mas só se dedicou a ela, de fato, a partir de 94; os primeiros resultados só começaram a aparecer dois anos depois. Entre os "best sellers" da casa, hoje, estão Paulo Coelho, Luis Fernando Veríssimo, Eduardo Bueno e Nelson Motta.
Cf. Versão portuguesa Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: um dicionário do português europeu?, da autoria de Margarita Correia (in:. Actas – X Simpósio Internacional de Comunicación Social, Santiago de Cuba, 22-26 de Janeiro de 2007)