Fuja daqui o odioso
Profano vulgo1, eu canto
As brandas Musas, a uns espíritos dados
Dos Céus ao novo canto
Heróico, e generoso
Nunca ouvido dos nossos bons passados.
Neste sejam cantados
Altos Reis, altos feitos,
Costume-se este ar nosso à Lira 2nova.
Acendei vossos peitos,
Engenhos bem criados.
Do fogo, que o Mundo outea vez renova.
Cada um faça alta prova
De seu espírito em tantas
Portuguesas conquistas, e vitórias,
De que ledo te espantas,
Oceano, e dás por nova
Do Mundo ao mesmo Mundo altas histórias.
Renova mil memórias
Língua3 aos teus esquecida,
Ou por falta de amor ou falta de arte,
Sê para sempre lida
Nas Portuguesas glórias,
Que em ti a Apolo honra darão, e a Marte.
A mim pequena parte
Cabe inda do alto lume
Igual ao canto, o brando Amor só sigo
Levado do costume.
Mas inda em alguma parte,
Ah Ferreira, dirão, da língua amigo!
1 É a tradução do 1.º verso da Ode 1.ª, liv. 3.ª de Horácio: odi profanum vilgus.
2 É a poesia italiana, o dolce stil nuovo.
3 António Ferreira defende o uso da nossa língua, num tempo em que o português e o espanhol tinham direitos iguais.