A confusão, também no português coloquial em Angola, das formas verbais dos verbos vir e ver – em mais uma crónica do autor publicada no semanário “Nova Gazeta”, de 29/05/2014.
É para lá que muitos [em Luanda] se deslocam aos fins-de-semana para se divertir. As criancinhas mal podem esperar que sexta-feira se aproxime para então deliciarem-se com as belíssimas natas, os deliciosos batidos de leite (mais conhecido por ‘milkshake’), ou o favorito de todas as criancinhas: o hambúrguer da Bob’s.
Foi lá também, no Belas Shopping, que encontrei um velho…, não, velho, não. Um jovem amigo quem eu não via há muito tempo e, curiosamente, frequenta com regularidade um dos mais famosos pontos de encontro dos luandenses.
«Como é que nunca nos vimos? Nós viemos sempre a este shopping!», exclamou.
E é bem provável que sim. Grande parte das vezes, junto-me a uns amigos num espaço próprio para maiores de 18 anos e lá fico à espera que a criançada se divirta, enquanto fico no bate-papo.
«Como aqui é um lugar próximo de casa e os meninos adoram o espaço ‘a Turma da Mónica’, que infelizmente está encerrado, viemos aqui ou no sábado ou no domingo. Assim evitamos os engarrafamentos», acrescentou.
«Nos últimos tempos, já não vimos ao Belas com muita frequência. Recentemente, descobri um novo espaço em Viana, onde as crianças também se podem divertir à vontade», disse um outro amigo nosso, o Nelito Catetista, do BO. «E hoje, particularmente, nós só viemos aqui porque queríamos assistir àquele filme», acrescentou.
«E viram, pois não? Gostaram?», perguntou o meu kamba de longa data.
«Sim. Vimos e gostámos muito», respondeu um dos filhos de Nelito Catetista, à saída.
Não tem sido fácil encontrar as razões por que muita gente confunde as formas ‘vimos’, presente do indicativo do verbo ‘vir’ na primeira pessoa do plural, e ‘vimos’, pretérito perfeito de ‘ver’.
Algumas vezes pensei que se tratasse de desconhecimento, outras vezes senti que se tratava de hipercorrecção. Mas seja qual for o motivo, importa lembrar que ambas as palavras (vimos de ver e vimos de vir) são homónimas, pois têm grafia e pronúncia idênticas mas significados diferentes.
‘Vimos’ (presente de vir) deve ser usado quando pensamos em actividades rotineiras. Por exemplo, «eu venho à escola todos os dias»; «nós vimos (e não viemos) à escola todos os dias».
Quando pensámos em actividades que já aconteceram, aí sim, podemos usar ‘viemos’ (pretérito de vir).«Eu só vim à escola para falar contigo»; «nós só viemos à escola para falar contigo».
Para actividades costumeiras com o verbo ver, devemos usar as formas no presente, como por exemplo, «eu vejo um filme por semana»; «nós vemos (e não vimos) um filme por semana».
Assim fica «sempre que vimos aqui, vemos um filme».
in semanário Nova Gazeta, de Luanda, publicado no dia 29 de maio de 2014 na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.