O caso, em Portugal, da venda de 85 obras do pintor catalão Joan Miró (1893-1983), pertencentes ao entretanto intervencionado e, depois, vendido Banco Português de Negócios – escreve o autor – «passará à história» também por via de verbo “coimar” que... «nunca chegará aos pés» do seu rival "multar". In jornal "i" de 15 de maio de 2014.
As duas empresas que tinham à sua guarda os Mirós foram intimadas a pagar coimas pela ilegal saída das obras para o estrangeiro, em 2013. A Direção-Geral do Património (o Estado) determinou que o Estado deverá pagar ao Estado 35 mil euros, menos do que o Estado paga por mês a algumas pessoas para, em nome do Estado, proteger o património do Estado. Sai de um bolso, entra no outro.
No processo, lá vão os Mirós, que valem o que valem. No Estado, respirou-se de alívio. As coimas são menos pesadas do que o mínimo definido pelo Estado para tais casos. As empresas foram no entanto intimadas pelo Estado a pagar uma outra coima ao Estado, porque de acordo com o Estado não terão pedido ao Estado a autorização de saída das obras de Miró no prazo legal determinado pelo Estado.
A embrulhada da famigerada colecção Miró passará à história com singelas coimas, o que não perturba [Barreto] Xavier mas irrita [Gabriela] Canavilhas. "Coimar" cumpre o seu inevitável destino: verbo transitivo, nunca chegará aos pés do seu rival "multar" – este sim, transitivo e intransitivo, susceptível de ser convertido até em dias de prisão e portanto muito mais sério. "Coimar", que na sua origem era uma espécie de castigo imposto aos donos dos animais que pastavam sem autorização em propriedades alheias, não tem muitas consequências, mas apenas curiosíssimas formas de ser conjugado (eu coimo, eu coimei, eu coimava, eu coimarei). Estranho verbo, autoflagelador. Como se vê no facto de o Estado repetidamente coimar o Estado.