As regras da conjugação pronominal e os seus problemas constituem o tema de mais uma crónica de Edno Pimentel, publicada na sua coluna Professor Ferrão no semanário angolano Nova Gazeta.
Se a memória não me atraiçoa, devia tratar-se de Bem-Amado, a telenovela de Odorico Paraguaçu que, cá para nós, parecia encarnar o Mestre Tamoda de Uanhenga Xitu, pela forma sui generis de falar o português.
Odorico, que era prefeito da cidade de Sucupira, no Brasil, sonhava inaugurar o único cemitério que tinha prometido durante a sua campanha eleitoral, uma vez que, sempre que morresse alguém naquela cidade, o corpo era enterrado numa outra vizinha. Para a sua "infelicidade", após a inauguração do cemitério, ninguém mais morria.
Mestre Tamoda não era político. Trabalhava para famílias nobres na zona urbana de Luanda, onde aprendeu a ler sozinho e, depois, passou a decorar palavras difíceis do dicionário.
Um dia foi notificado por usar uma linguagem que não agradava a muita gente. Os mais velhos preocupados perguntaram-lhe o que se passava e o Mestre respondeu: «Sou cidadão Tamoda que veio atender petição de Excelência Administrador e Juiz Instrutor, por causa da facultagem imponente da craveira sapiencial do Tamoda…»
Odorico, diferente de Tamoda, queria provar que era a pessoa certa para o cargo. Questionado sobre a tomada de algumas decisões, Odorico simplesmente respondia: «Fi-lo porque qui-lo». Olhe que estas são apenas algumas da longa lista de expressões que fizeram a sua marca.
E ainda bem que, quer no caso de Tamoda quer no de Odorico, se tratava de obras literárias, que permitem estruturas como «…porque qui-lo», com desvios à norma.
Quando a forma verbal termina em -r, -s, ou -z, os pronomes de objecto directo passam para -lo, -la, -los, -las. É o caso de «fiz-o» ˃ «fi-lo»; «quis-o» ˃ «qui-lo»; «comer-o» ˃ «comê-lo».
No entanto, Odorico esqueceu-se, acho, que quando temos palavras ou expressões negativas, conjunções subordinativas (se, porque, que, quando, etc.), advérbios, pronomes relativos e indefinidos, etc., os pronomes de objecto directo (ou indirecto) devem aparecer antes do verbo. Daí que o político, interpretado pelo actor [Paulo Gracindo], devia correctamente dizer «fi-lo porque o quis». Lamento mas nem Tamoda pode ajudar. São regras.
N. E. – A autoria da frase «fi-lo porque qui-lo» é tradicionalmente atribuída a Jânio Quadros (1917-1992), que foi presidente do Brasil entre 31 de janeiro e 25 de agosto de 1961.
In jornal Nova Gazeta, de Luanda, publicado em 26 de setembro de 2013 na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.