Em mais uma crónica publicada em 21/3/2013 no jornal i, com o título original "Ambas as três", Wilton Fonseca mostra como os jornais podem ser também «veículo da riqueza da língua e do seu processo criativo e renovador».
Recolhi, no Público e no Expresso, três termos que, embora pouco usados, podem ilustrar como os jornais são veículo da riqueza da língua e do seu processo criativo e renovador.
Primeiro exemplo: «Fiquei avassalada», afirmou a actriz Mónica Calle ao Público, a propósito da impressão que lhe causou a leitura de "O Retorno", de Dulce Maria Cardoso. Avassalar significa passar a ter domínio ou poder sobre alguma coisa. A actriz pretendia dizer que o poder da escrita de Dulce Maria Cardoso a havia cativado. Daí o «fiquei» e o particípio. Perfeito.
Perfeito é também um «esbarrondado» utilizado por Simone de Oliveira numa entrevista ao Expresso. Simone fala sobre vários projectos e diz recear não saber quando chegar o momento de se retirar, utilizando uma frase saborosíssima: «Já pedi às pessoas mais próximas para me avisarem quando estiver a ficar um bocadinho "esbarrondada", já a agarrar nos bocadinhos e a colar.» O verbo esbarrondar é frequentemente utilizado pelos cozinheiros para referirem os pratos que se desfazem («O pudim esbarrondou-se»). Significa cair, derrocar, desmoronar-se.
Terceiro exemplo: Clara Ferreira Alves, na sua crónica do Expresso. «Estamos derreados», escreve, para indicar com ironia o sentimento dos portugueses perante a recente sabedoria prefacial do Presidente Cavaco.
As três senhoras poderiam ser apontadas como magníficos exemplos do poder criativo e inovador da língua. Todas as três (e não "ambas as três", como teria referido o Dr. Relvas).
In jornal i, de 14 de março de 2013, na crónica semanal do autor, "Ponto do i", que assinala alguns erros na escrita jornalística, em Portugal. Respeitou-se a antiga ortografia, seguida pelo jornal.