Crónica do jornalista Wilton Fonseca acerca de Clarice Lispector e da exposição que se encontra patente na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
A exposição dedicada a Clarice Lispector na Gulbenkian deveria ser obrigatoriamente visitada por jornalistas e professores de Português.
A mostra nasceu em 2008 no Museu da Língua Portuguesa, de S. Paulo. Ganhou o nome de A Hora da Estrela, o título do livro que Clarice publicou em 1977, pouco antes de morrer, uma espécie de resposta àqueles que a criticavam por não descrever acções, mas "apenas" emoções e sentimentos. Uma polémica sem sentido, sabendo-se que ninguém escreve como ela e que ela não escreve como ninguém.
Escritora e jornalista, Clarice começou a trabalhar muito jovem numa agência noticiosa, onde teria aprendido a "enxugar" textos e evitar adjectivos. Fez de tudo nas redacções: milhares de crónicas e entrevistas, artigos sobre os mais variados temas, conselhos de beleza, páginas "femininas". Vibrava de entusiasmo com a escrita; dizia que o jornalismo era a mais bela das profissões, "uma glória", e que lhe devotava um amor tão grande como o que tinha pela língua portuguesa. Escreveu em A Descoberta do Mundo uma confissão de amor que lembra a de Fernando Pessoa no Livro do Desassossego: «Esta é uma confissão de amor. Amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável [?] é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.»
Com um filme, fotos, documentos e alguns objectos recriou-se na Gulbenkian o universo de uma das mais fascinantes escritoras da nossa língua.
In jornal i, de 13 de junho de 2013, na crónica semanal do autor, "Ponto do i", com o título original "Clarice". Respeitou-se a antiga ortografia, seguida pelo jornal.