Segundo a chamada hipótese Sapir-Whorf, a língua condiciona a maneira como vemos o mundo. Miguel Esteves Cardoso inverte um pouco as bases desta hipótese, para interpretar a ambivalência da palavra conforme como faceta da arte paradoxal de ser português.
Conforme significa «idêntico, com a mesma forma». Quando a cópia de um documento é igual a ele, diz-se que «está conforme».
Então por que é que nós usamos a expressão «é conforme» para querer dizer «depende»? Será que o que é variável e contingente é, para nós, o mesmo do que o que está na mesma?
Consoante é menos forte (é o que soa igualmente) mas é sinónimo de conforme no sentido de «de acordo com» ou «segundo». É também, estranhamente, o nome a que chamamos a todas as letras que não são vogais. Como — lá está — se todas as consoantes soassem ao mesmo som ou, pelo menos, se confundissem, no sentido de se fundirem umas com as outras, ao ponto de não se poderem distinguir uma das outras. No entanto, ninguém diz «É consoante...» em vez de «É conforme...»
Pergunto se o Rocha costuma comer muito. Respondem-me: «É conforme.» Como quem diz: «Depende do estado de espírito em que está e daquilo que lhe oferecem para comer.» Ou seja: é o contrário de conforme no sentido que tem, de idêntico, de ser sempre a mesma a reacção que tem. Daí se depreende que a língua portuguesa — e, por conseguinte, os portugueses que a usam — confundem e aglomeram sem pestanejar o que é sempre igual com o que depende das diferenças de ocasião e das circunstâncias.
Não são conservadores os portugueses. Gostam é de conservar as diferenças — e de estar preparados, como se estivessem já à espera delas. É conforme: depende da situação, mas a reacção é sempre a mesma.
Artigo publicado no jornal Público, de 4 de Novembro de 2010, na rubrica «Ainda ontem».