[…]Pois se francês não foi, replica Lara,
Como monsieur lhe chamam?
Cum sorriso
Lhe torna o padre-mestre: Não se admire,
Que isto está sucedendo a cada passo;
Ao pé de cada canto, hoje, sem pejo
Se tratam de monsieurs os Portugueses.
Isto, senhor, é moda, e, como é moda,
A quisemos seguir: e sobre tudo
Mostrar ao mundo que francês sabemos.
De tanto peso, pois, lhe volve o Lara,
É, padre jubilado, porventura
O saber francês que disso alarde
Fazer quisessem vossas reverências?
Por acaso sem esse sacramento
Não podiam salvar-se e serem sábios?
Pois aqui, em segredo, lhe descubro
Que o francês para mim o mesmo monta
Que a língua dos selvagens botocudos.
Não diga, senhor, tal; que, neste tempo,
Ó tempos, ó costumes! Diz o padre,
O saber o francês é saber tudo.
É pasmar, ver, senhor, como um pascácio
Perante os homens doutos e sisudos,
A falar nas ciências mais profundas
Sem que lhes escape a santa teologia,
Alta ciência aos claustros reservada,
Que tanto fez suar ao grande Scoto,
Aos Bacónios, aos Lulos e a mim próprio.
Desta audácia, senhor, deste descoco,
Que entre nós, sem limite, vai grassando,
Quem mais sente as terríveis consequências
É a nossa português casta linguagem,
Que em tantas traduções corre envasada
(traduções que merecem ser queimadas!)
Em mil termos e frases galicanas!
Ah! Se as marmóreas campas levantando
Saíssem dos sepulcros, onde jazem
Suas honradas cinzas, os antigos
Lusitanos varões que com a pena
Ou com a espada e lança a pátria honraram,
Os vossos ideotismos escutando,
A mesclada dicção, bastardos termos,
Com que enfeitar intentam seus escritos
Estes novos ridículos autores
(Como se a bela e fértil língua nossa,
Primogénita filha da latina,
Precisasse de estranhos atavios!)
Súbito certamente pensariam
Que nos sertões estavam de Caconda,
Quelimane, Sofala ou Moçambique;
Até que, já por fim desenganados
Que eram em Portugal, que portugueses
Eram também os que costumes, língua,
Por tão estranhas modas afrontavam
Segunda vez de pejo morreriam.