Comentário a propósito do artigo de Luísa Alcântara e Silva, notícia da Folha de São Paulo de 22 de Março de 2009:
Os últimos desenvolvimentos em torno do Acordo Ortográfico, com o Brasil a acelerar a sua aplicação – reforçada agora pelo lançamento unilateral da nova edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa –, vêm confirmar os meus piores receios e suspeitas. Aliás, o comportamento da Academia Brasileira de Letras (ABL) não é consensual mesmo entre os especialistas brasileiros.
Com efeito, a “prepotenciazinha” já se vai manifestando mais claramente, como decorre das citações que transcrevo: «se os portugueses seguirem o Acordo que eles assinaram, o vocabulário será igual»; «Não é culpa nossa se a gente tem muito mais habitantes que eles e se a gente é economicamente muito mais importante»!
É visível há muito que é o Brasil o grande e único interessado neste Acordo. E não venham dizer que os que são contra o Acordo são apologistas do «orgulhosamente sós». Quem sempre se quis «orgulhosamente só» foi o Brasil, cuja ABL já em 1907 fez uma reforma ortográfica que não chegou a vingar e que depois se recusou a respeitar posteriores acordos assinados com Portugal,nomeadamente o de 1945, que entre nós continua em vigor, no essencial.Connosco estão (estavam, até este novo Acordo que serve tão bem o expansionismo económico brasileiro?...) todos os outros países e comunidades que através do planeta falam a nossa língua! E é essa dimensão espacial que faz do português uma língua «com vocação internacional» (a expressão é de Paul Teyssier).
Mas há quem só entenda de números e dinheiro, e a este propósito vale a pena recordar as palavras do nosso ministro da Cultura, em entrevista ao Público (04/02/2009), como justificação para o que chama «universalização ortográfica»: «Nós afirmamo-nos enquanto identidade e enquanto povo através da língua que falamos e da expansão que demos a essa língua. Neste momento, o número de falantes do português andará pelos 230, 240, 250 milhões. Mas desses 250 milhões, 200 milhões são brasileiros. E eles eram apenas 70 milhões em 1960. De 1960 para 2008 triplicaram, e isso significa fazer 130 milhões de falantes do português, mais do que nós fizemos em todo o nosso passado.» Admirável! Como política de língua, não há melhor!
Pela parte que me toca, se o Brasil e outros países lusófonos (esta designação fará algum sentido mais tarde?) entenderem dever falar “brasileiro”, não tenho a mínima objecção. Os povos são livres e soberanos. Mas eu, cidadã portuguesa, quero que o português europeu se mantenha fiel às suas raízes, embora aberto, como outras línguas europeias (espanhol, francês, inglês…), ao enriquecimento natural — mas controlado — que lhe vem da sua história multissecular e da sua expansão no mundo.
Ver, ainda: Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
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