DÚVIDAS

Tivera, havia tido, tinha tido

Não sei se esta pergunta já alguma vez foi feita, mas na mesma fá-la-ei. Tenho lido em certas gramáticas que os tempos, Eu tivera, Eu tinha tido, Eu havia tido, são de significados idênticos. No entanto, noutras gramáticas li que estas formas são de significados diferentes, mas no entanto têm significados parecidos. Eu concordo com esta última opinião, porque quando as uso, uso-as em circunstâncias diferentes do dia a dia. Agora a questão é: essas formas são idênticas, parecidas ou diferentes? Como se sabe, a linguagem do povo e a linguagem erudita são totalmente diferentes.

Resposta

Morfologicamente, estamos perante três modos de formar o pretérito mais-que-perfeito, um simples, apenas utilizando o verbo que se pretende conjugar, e os outros dois compostos, ou seja, com o auxiliar (ter ou haver) no pretérito imperfeito do indicativo e o verbo em causa no particípio passado.

Com o verbo "ter" não se utiliza o auxiliar "haver". Com outros verbos, tanto se poderá utilizar o auxiliar "ter" como "haver". Portanto, morfologicamente, estas formas podem permutar. No entanto, elas são diferentes quanto à frequência de emprego e ao seu valor.

Assim, o emprego do auxiliar "haver" nesta situação é menos usado. Vulgar é a utilização do tempo composto com o auxiliar "ter": tinha tido, ele tinha feito, tínhamos dito, etc. As duas construções compostas têm precisamente o mesmo sentido: traduzem uma acção anterior a outra já passada.

Quanto à forma simples, a sua utilização está circunscrita a um determinado estrato geracional e cultural. Originariamente partilhando do valor semântico das formas compostas, possui, além desse significado, o valor do condicional (futuro do pretérito do indicativo) e o do pretérito imperfeito do conjuntivo.

Exemplos:

– a frase final do soneto de Camões, "Sete anos de pastor Jacob servia": "Mais servira, se não fora para tão longo amor tão curta a vida." Repare-se que "servira" exprime a ideia do condicional ("serviria") e que "fora" exprime a ideia do pretérito imperfeito do conjuntivo ("fosse");

– o início do poema de Mário de Sá Carneiro, "Quase": "Um pouco mais de sol – e fora brasa. Um pouco mais de azul – e fora além. Para atingir, faltou-me um golpe de asa...". As formas verbais "fora" têm aqui o sentido do condicional composto ("teria sido").

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