DÚVIDAS

Socio-

   Há uma dúvida que há muito não consigo ver esclarecida. Trata-se do problema da hifenização e acentuação das palavras compostas com o elemento «sócio-». No Prontuário Ortográfico de M. Parreira e J. M. de Castro Pinto, das Edições Asa (6.ª ed.), na p. 114, vêm vários exemplos de «palavras compostas por elementos de natureza adjectival terminados em o», como afro, agro, euro, etc., cuja regra é utilizar sempre o hífen: afro-europeu, agro-pecuário.
   Pareceria que o «sócio-» se encaixaria nesta categoria. No entanto, muitas vezes vi já escritas as palavras «sociocultural» ou «sociolinguística», inclusivamente no próprio dicionário Aurélio, onde aparecem as formas «sociolinguística/o» e «sóciopolítico» (note-se a divergência quanto à acentuação).
   A minha dúvida é portanto quer em relação ao emprego do hífen, quer em relação à acentuação do elemento «sócio-»:
   sócio-cultural, sóciocultural ou sociocultural?
   Sócio-simbólico, etc.?
   Obrigada, desde já, pelo esclarecimento que me puderem prestar.

Resposta

É absolutamente natural, explicável a confusão gerada na mente desta nossa consulente. E não há maneira de o novo «Acordo Ortográfico» ser posto a funcionar! Mas vejamos:

a) A grafia «sóciopolítico» do Dicionário Aurélio tem uma explicação: há gralha. E uma prova disto é que ele regista, sem acento em «socio-», as outras palavras com este elemento.

b) O «Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa» de Rebelo Gonçalves, na página 216, menciona um dos casos em que se deve usar o hífen:

«Nos compostos em que entram, morfologicamente individualizados e formando uma aderência de sentidos, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva.»

Entre os vários exemplos, cita os seguintes: físico-químico, póstero-palatal, trágico-marítimo, ântero-inferior; latino-cristão, grego-latino, afro-negro.

Conforme a regra, ambos os elementos destas palavras se encontram morfologicamente individualizados, tanto assim que, na pronúncia, marcamos bem o acento tónico. Por isso é que as palavras esdrúxulas têm acento gráfico nesse primeiro elemento, como vemos em ântero-inferior. Se o primeiro elemento não se apresentasse individualizado, não teria acento gráfico.

c) Quanto a sociocultural, não se passa precisamente o mesmo: não pronunciamos a primeira sílaba com a intensidade suficiente para individualizarmos o elemento socio-. Normalmente proferimos a primeira sílaba do socio- com a mesma intensidade com que proferimos o final deste elemento. É a falta desta individualização que nos leva a escrever sociocultural, sociolinguística, sociopolítico, sociodrama, sociocracia, sociofilia, etc.

Na pág. 250 da mesma obra, lemos o seguinte:

«É inadmissível o uso do hífen nos compostos em que um elemento de origem substantiva, proveniente do grego ou do latim e terminado em o, se combina com um ou mais elementos substantivos ou adjectivos». E dá como exemplos aerodinâmico, astrofísica, etc. Depois, na pág. 252, esclarece:

«Se em compostos do modelo referido se mantém, contra o que é normal, o o final de um elemento antes de vogal de um elemento imediato, não deve, por isso, empregar-se o hífen, mas fazer-se, como nos casos em que ao o se segue consoante, a aglutinação dos elementos. Exemplos: hidroavião e não hidro-avião (...)».

Ora o elemento socio não é de natureza adjectiva, mas substantiva, do latim «sociu(m)». Portanto, escreva-se também socioeconómico. Não esquecer: socio é de natureza substantiva e não adjectiva.

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