Penso que a indicação dada pela professora para a construção de respostas a perguntas começadas por quem – usando a voz passiva – foi a solução que encontrou para evitar que os seus alunos (crianças do 2.º ano de escolaridade) corressem o risco de construírem frases incorrectas, devido ao elevado grau de complexidade que essas estruturas implicam.
A concordância nas orações relativas de sujeito com a forma pronominal quem (e o que) tem colocado várias questões e tem sido objecto de estudo dos linguistas. Não é por acaso que esse é um dos casos focados por João Peres e Telmo Móia em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 1995). Terá sido, decerto, essa a razão pela qual a professora terá optado pela hipótese mais segura para os seus alunos.
Os dois linguistas evidenciam a necessidade de se ter em conta as duas propriedades sintácticas destas expressões:
– «a primeira consiste no facto de serem incompatíveis, quando têm função de sujeito, com antecedentes nominais expressos», sendo designadas por «orações relativas sem antecedente expresso» ou «orações relativas livres».
Exemplo: Quem viu o filme gostou.
– uma segunda propriedade das formas pronominais quem (e o que) consiste no facto de elas possuírem os traços gramaticais de terceira pessoa, género masculino e número singular, independentemente das expressões a que possam estar associadas no discurso.
Exemplo: Quem mais gostou da viagem foram as crianças.
Esta construção literal com o pronome relativo é, por vezes, substituída por uma concordância – de tipo siléptico – em que o verbo da oração relativa concorda não com o sujeito pronominal, mas com uma expressão à qual está associado no discurso e que tem marcas gramaticais diversas das suas. Segundo Cunha e Cintra (1984, Nova Gramática do Português Contemporâneo) e Mendes Almeida (1979), esta concordância irregular é abonada por autores consagrados em contextos em que se verificam duas condições: (i) a expressão com que o verbo concorda é um pronome pessoal e (ii) precede o pronome relativo. As formas sublinhadas nas frases que se seguem, retiradas das gramáticas referidas, ilustram esta forma alternativa de concordância (que os primeiros dos autores referidos dizem ser a preferida na “linguagem popular”):
Fui eu quem os apresentou/apresentei.
És tu quem lucra/lucras.
Cunha e Cintra apresentam ainda uma citação de Jorge Amado, em que a expressão com que o verbo concorda não é um pronome pessoal, mas um sintagma nominal com núcleo lexical:
Eram os filhos, estudantes nas Faculdades da Bahia, quem os obrigavam a abandonar os hábitos frugais. (Gabriela, Cravo e Canela)
Perante a diversidade de casos apresentados pelos especialistas que estas construções com o pronome relativo quem geram, realmente, não deve ser fácil propor a alunos do 2.º ano de escolaridade que iniciem respostas com estas estruturas. A resposta que apresentou «quem conhece o seu segredo são as crianças» é possível [e está igualmente correcta], mas é de um maior grau de complexidade e, naturalmente, geradora de dúvidas. Tal resposta implicaria a necessária explicação do contraste ente a forma singular do predicado da primeira oração – «conhece» – e a forma plural do da segunda – «são as crianças».
E não sei se seria correcto conduzir alunos do 2.º ano para este caso que pressupõe um determinado nível de abstracção. Creio mesmo que seria desajustado a esse nível etário. Por isso, a professora procurou adaptar um tipo de resposta que não provocasse dúvidas de resposta complexa.
E os alunos são tão atentos a tudo o que pareça desvio!....
Espero que compreenda a razão pela qual considerei importante desenvolver a questão da construção com o pronome quem e que, para isso, tenha retirado excertos de Áreas Críticas da Língua Portuguesa (pp. 491-2). Mas senti necessidade de evidenciar que estas estruturas são, de facto, objecto de reflexão e de investigação dos gramáticos e que têm suscitado muitas dúvidas.