DÚVIDAS

O novo Acordo Ortográfico e os tradutores

Com a polémica instalada no que respeita ao novo acordo ortográfico e como tradutora de inglês para português europeu, gostava de saber como é que este novo acordo poderá alterar a vida dos tradutores em Portugal.

Já se viu que vamos todos (na CPLP) escrever da mesma forma em termos ortográficos, mas as diferenças linguísticas entre os vários países da CPLP não são só ortográficas. O léxico é diferente e a construção das frases também. Parece que tudo isso está a ser esquecido, porque a ortografia comum não muda assim tanto a forma como nos expressamos.

A minha questão, portanto, prende-se com o não saber se o nosso mercado vai extinguir-se, com a possibilidade de termos colegas brasileiros a traduzir para toda a CPLP. Será que a nossa especificidade linguística vai desaparecer por sermos só 10 milhões de falantes? Será que os nossos clientes vão dar a traduzir todo o material no Brasil por ser notoriamente mais barato? E será que o léxico (técnico e não só) brasileiro vai acabar por extinguir o nosso?

Ou seja, será que quando uma agência internacional tiver de traduzir texto para português, não vai ter de especificar a que país da CPLP se destina? Afinal, se o acordo é ortográfico, nós continuaremos a dizer autocarro em vez de ônibus, isto para dar só um exemplo. Ou será que isso também vai mudar?

Sei que esta questão pode não parecer ter importância, mas, para quem passa o dia a traduzir, garanto que é uma preocupação enorme.

Obrigada.

Resposta

 

Partilho inteiramente da sua preocupação e concordo com as suas questões, que são também as minhas, mas, infelizmente, não posso dar-lhe uma resposta concreta às perguntas que nos envia. 

Para além das diferenças gritantes no léxico (aluguer/locação, comboio/trem, penso-rápido/Band-Aid, fita-cola/durex, etc.), na morfologia (aceite/aceito, ter pegado/pego, mais pequeno/menor) e na sintaxe («ela foi à praia»/«ela foi na praia», «há gente aqui»/«tem gente aqui», «liga-me»/«me liga»...), existem ainda as tão criticadas “facultatividades” (Amazónia/Amazônia, António/Antônio) e todas as palavras que apresentam ligeiras diferenças entre as variantes de Portugal e Brasil, como registar/registrar, aluguer/aluguel e quotidiano/cotidiano, dobrado/dublado, sem falar na “armadilha” escondida em muitos termos que, sendo idênticos na forma, têm um significado completamente diferente para portugueses e brasileiros, como salpicão, bem, camisola, etc.

Nesse sentido, torna-se óbvio que o Acordo não muda nada, fica tudo como está: porque não é possível eliminar, através de uma convenção ortográfica, todas as diferenças que existem entre as duas variantes geográficas da nossa língua (por enquanto) comum. E, para concluir, permita-me citar um excerto de um texto meu sobre o Acordo, a propósito de um artigo publicado na revista Veja: «o uso de uma língua está estritamente ligado às idiossincrasias da cultura própria dos seus utilizadores. Pretender que os portugueses escrevam fato em vez de facto, ou que os brasileiros passem a grafar lingüiça sem trema é, talvez, comparável a obrigar os primeiros a dançar o samba nas festas populares e os segundos a comer bacalhau no Natal.»

CfEm defesa dos tradutores literários

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