DÚVIDAS

O hífen, outra vez

Qual o critério que deve ser seguido quanto ao uso ou não do hífen quando dois substantivos se apresentam juntos? Como saber se trata de substantivo composto ou de substantivo modificado por outro, que faz as vezes de adjetivo?
Eis alguns exemplos que me causam dúvida:
cidade-fantasma
funcionário-fantasma
criança-prodígio
comício-monstro
ataque-relâmpago
projeto-piloto
cidade-luz
pensamento-luz
rei-carrasco
rainha-carrasco
manifestação-relâmpago
edifício-sede
Gostaria de saber se as palavras acima realmente se escrevem com hífen. Além disso, quando se tratar de substantivo que modifica substantivo, como se dá a concordância nominal? O segundo substantivo sempre varia em gênero e número?
Desde já, meus agradecimentos.

Resposta

Nem sempre é fácil o emprego do hífen (ou traço de união) na formação de substantivos compostos de outros substantivos.

De modo geral, ambos os substantivos tomam a forma de plural, quando ambos conservam a sua individualidade:

Casa-museu – cada substantivo tem a sua acentuação própria. Mais ainda: cada casa (com o seu conteúdo) é um museu. E cada museu é uma casa. Isto é, quando há duas individualidades que formam uma unidade, escrevemos os dois substantivos unidos por hífen; e ambos eles vão para o plural: casas-museus.

O mesmo com cidade-fantasma. Cada uma daquelas cidades é um verdadeiro fantasma; e cada um daqueles fantasmas é uma verdadeira cidade. Portanto, o plural será, logicamente, cidades-fantasmas.

E sob este raciocínio, teremos funcionários-fantasmas, crianças-prodígios, comícios-monstros.

E, do mesmo modo, temos os plurais reis-carrascos, rainhas-carrascos, manifestações-relâmpagos.

Quando os substantivos se encontram ligados também por uma preposição, somente o primeiro vai para o plural: amigo-da-onça, amigos-da-onça; pau-a-pique, paus-a-pique; pé-de-meia, pés-de-meia.

Às vezes não está lá a preposição, mas subentende-se.

Nestes casos, também só vai para o plural o primeiro elemento:

a) escola-modelo (= escola para modelo; isto é, escola que foi construída para modelo), escolas-modelo;

b) projecto-piloto (= projecto para piloto, isto é, projecto que foi elaborado para servir de piloto), projectos-piloto;

c) cidade-luz (= cidade-de-luz), cidades-luz;

d) pensamento-luz (= pensamento-de-luz), porque é um pensamento constituído de verdadeira luz que «ilumina» as mentes das pessoas. Mas esta luz não é (constituída) de chama, mas (constituída) de pensamento – é uma luz-de-pensamento. Portanto, luzes-pensamento.

Também podemos interpretar desta maneira: cada pensamento é uma luz, e cada uma dessas luzes é um pensamento. Interpretando assim, o plural será pensamentos-luzes.

e) Edifício-sede (= edifício para sede, isto é, edifício construído para sede); sendo assim, edifícios-sede.

Mas porque não interpretarmos doutra maneira? Assim: cada um desses edifícios com os seus elementos em funcionamento, é uma sede; e cada uma dessas sedes, com os seus elementos em funcionamento, é também um edifício. Raciocinando assim, o plural de edifício-sede será edifícios-sedes.

Quanto ao plural de ataque-relâmpago, é caso para pensar. No entanto, talvez seja preferível o plural ataques-relâmpago, porque podemos subentender a preposição em: ataque-relâmpago = ataque em relâmpago. Vejamos até que Aquilino Ribeiro escreveu o seguinte em «Lápides Partidas», cap. I, 7, conforme cita o «Grande Dicionário da Língua Portuguesa» de A. de Morais Silva, 10.ª ed. revista por J. Pedro Machado e outros: «Quis ainda fugir-lhe, tendo-me revisto, num relâmpago de autodissecação, amarrotado de corpo e alma depois de uma noite em claro.» Teremos, então, ataques-relâmpago.

Quando, no substantivo composto, há um substantivo que modifica o outro, comporta-se este como se fosse um adjectivo, isto é, vai também para o plural. Assim, temos criança-prodígio, crianças-prodígios (= crianças prodigiosas); do mesmo modo, comícios-monstros (= comícios monstruosos). É este o caso de substantivo que modifica o substantivo. É um substantivo que tem certo valor adjectival.

Quanto ao plural dos substantivos compostos, não há inteira concordância. Por isso, compreende-se que haja pessoas que discordem de mim aqui e acolá.

Em conclusão: os gramáticos e os linguistas que estudem profundamente o assunto, que o resolvam definitivamente e que digam como devemos proceder.

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