- Relativamente à influência da língua portuguesa nas línguas africanas, não conheço obras relevantes. Em Cabo Verde, por exemplo, houve uma mesclagem entre a língua portuguesa e línguas da região ocidental de África, de que resultou uma língua própria a que eu chamo "língua cabo-verdiana" (mas quase unanimemente chamam-lhe "crioulo"). Eu não lhe chamo "crioulo" porque penso que as línguas são todas "crioulas". Prefiro chamar-lhe "cabo-verdiano". Se se trata de duas ou mais línguas europeias que se influenciam e formam uma nova, não se chama "crioulo". Mas se for uma língua europeia que se interpenetre com outra língua africana ou centro-americana, então já chamam à nova língua "crioula".
A contribuição que a língua portuguesa levou às línguas africanas diz respeito sobretudo à absorção de novas palavras, pois o léxico tradicional africano é mais pobre do que o português. Há termos que não existem nas línguas africanas, e, com a presença colonial portuguesa, foram integradas no linguajar local, com adaptações. Por exemplo, na língua kimbundu, em Angola, não existe o termo "igreja". Mas a construção de igrejas e a cristianização levou à necessidade de as pessoas se referirem aos templos. Como não existe o som "erre", "igreja" passou para "ngeleja". Outros exemplos, entre muitos: "carro" (dikalu); "cadeia" (kaleia); "escola" (jikola). - A situação da língua portuguesa nos países de língua oficial portuguesa é algo complexa. Vejamos, por exemplo, o brigadeiro Mané, da Guiné, que só se expressa em guineense; mas há guineenses bilingues e trilingues (português, guineense e língua da sua região étnica). Em Cabo Verde toda a gente se expressa em cabo-verdiano mas quando as pessoas falam com um português expressam-se em português. Poderia fazer uma generalização: as populações desses países são, no mínimo, bilingues.
Conheço casos de jovens luandenses que se expressam em português mas, quando se dirigem aos mais velhos (avós, tios), sentem necessidade de se expressarem na língua local, pois é essa a "língua da sua alma".
O papel histórico do português (tal como do francês e do inglês) foi o de ligação, de globalização cultural de povos com um passado recente muito comum. Ninguém, na África ao Sul do Sára, vem para fora a falar a sua língua local, porque não é entendido.