DÚVIDAS

Há-de, de novo

De Padre António Vieira eis um trecho do "Sermão de Santo António aos Peixes" que me intrigou, no segundo parágrafo do capítulo I:

"Suposto, pois, que ou o sal não salgue ou a terra se não deixe salgar; que se há-de fazer a este sal e que se há-de fazer a esta terra? O que se há-de fazer ao sal que não salga, Cristo o disse logo: Quod si sal evanuerit, in quo salietur? Ad nihilum valet ultra, nisi ut mittatur foras et conculcetur ab hominibus. Se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer, é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de todos." (...)

Minha intriga é com este "há-de" que várias vezes aparece no trecho. O verbo "haver" ligado à preposição "de" por meio de hífen. Se não me engano já vi isto aqui mesmo no Ciberdúvidas em alguma pergunta ou resposta. Talvez seja comum tal coisa em Portugal, mas não no Brasil atualmente, ou pode ser que seja eu próprio a não saber nada sobre isto. De qualquer forma, nas gramáticas de que disponho, não consegui encontrar qualquer referência a este caso. Daí então o surgir das dúvidas:

  1. Qual a explicação para que o "há-de fazer" esteja escrito assim, com esse hífen?
  2. É correto ligar-se a "preposição" ao verbo por meio de hífen?
  3. Se é correto ligar-se a "preposição" ao verbo por meio de hífen, vale isso para "qualquer verbo" e "qualquer preposição"?
  4. Poderia escrever algo assim: "gosto-de" comer maçã? Estaria certo esse "gosto-de comer", com hífen, a exemplo do "há-de fazer"? Ou quem sabe escrever outra coisa do tipo: "é-de se estranhar isso"? Estaria certo esse "é-de", com hífen?
  5. Seria certo escrever "tudo está-por fazer", com esse hífen?
  6. No caso de valer o hífen apenas para o verbo haver, ou até para outros verbos, valerá para todos os tempos, pessoas e modos? Poderia escrever: hei-de fazer, havemos-de fazer, houvesse-de fazer, haveria-de fazer...?
  7. No caso de ser ainda considerado certo atualmente o "há-de fazer", com hífen, ficará errado escrevê-lo sem hífen: "há de fazer", simplesmente?
  8. E será certo tanto no Brasil quanto em Portugal, escrever-se com hífen, ou sem hífen, ou ambos, conforme for o caso?

Desculpem se me alonguei um pouco. Se o fiz, foi na esperança de fornecer informações que lhes permitam corrigir-me o raciocínio mais precisamente. Tentei apenas mostrar-lhes o que estou pensando sobre o assunto: pensamentos que podem não estar muito claros, mas justamente a nuvem da dúvida é que talvez os obscureça. Preocupei-me até em antecipar outras dúvidas que surgiriam de possíveis respostas suas: possibilidades que depois, quem sabe, se mostrem disparatadas; mas só o saberei após a resposta. Por favor, peço então me esclareçam o que lhes houver por bem.

Desde já, agradeço a atenção.

Resposta

É de regra este emprego entre as formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver e a preposição de. Assim, hei-de mas havemos de, por exemplo. Esta construção é usual em português quando seguida do infinitivo de um verbo de que se quer formar um futuro perifrástico, mais enfático que o futuro simples normal. Deste modo, há-de fazer em vez de um simples fará indica, conforme os casos, maior intenção ou dever. Hei-de lá ir, por exemplo, é mais forte que irei lá, é como se eu dissesse irei lá com certeza. Julgo que todas as suas dúvidas a este respeito ficaram esclarecidas, pois mais nenhum verbo, nem qualquer outra preposição, tem o referido emprego, com ou sem hífen.

N. E. - Com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, as formas hei-de, hás-de, há-de e hão-de perdem o hífen e passam a escrever-se hei de, hás de, há de e hão de

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