Aprendeu na escola primária, e muito bem, que a semivogal u /w/ do grupo qu se pronuncia quando seguida das vogais a ou o, não acontecendo tal quando as vogais que se lhe seguem são o e ou o i.
Esta é efectivamente a regra da pronúncia deste grupo.
A justificação assenta na etimologia e evolução das palavras.
Na evolução do Latim para o Português, essa semivogal u /w/ normalmente desaparece, absorvida pela vogal seguinte, reduzindo-se o q a c. Por exemplo: quadragesima- > quaresma > coresma (arcaico e popular); quantitate- > cantidade (arcaico e popular). Antes de e e i, também desapareceu o som, mas manteve-se a grafia qu, para indicar que o q continuava a manter o som gutural.
Sob influência literária, a partir do século XVI, esse u foi a pouco e pouco reaparecendo antes de a e o, reavivando-se o étimo latino. Reaparece na grafia e lê-se, tem realização fonética, sendo essa considerada a pronúncia correcta. E assim perdurou até aos nossos dias.
Entretanto, antes de e e i, na maior parte das vezes o som do u não existia. Esta semivogal servia, pois, graficamente, apenas de suporte à consoante q. E isto porque:
a) ou essas palavras não eram originárias do latim mas do grego, sendo o grupo qu uma evolução do ch grego (ex. quilo que vem do grego chylós);
b) ou o seu étimo latino não continha esse grupo qu (ex. quente, proveniente do latim calente-);
c) ou a palavra é proveniente doutra língua que também não tinha esse grupo qu (ex. queque, do inglês cake).
Há algumas palavras (um número muito reduzido) que são a excepção à regra. Podemos referir: antiquíssimo, cinquenta, consequência, delinquência, delinquente, eloquência, eloquente, equestre, equidade, equídeo, equidistância, equino, equitativo, frequência, frequentar, sequela, sequência, tranquilo e ubiquidade.
No Português europeu, até à abolição do trema ( ¨ ) estas palavras tinham este sinal sobre a semivogal u, precisamente para marcar um som que fugia à regra. No Português do Brasil, esse sinal permanece em todas as palavras indicadas: antiqüíssimo, conseqüência, eqüestre, tranqüilo, etc.
Por que razão há estas excepções?
Vejamos dois exemplos diferentes.
O primeiro deles diz respeito à palavra cinquenta, que terá tido a seguinte evolução: quinquaginta > *cinquagenta > cinquaenta (arc.) > cinquenta. Como vemos, inicialmente a seguir ao u estava a vogal a, que não assimilou o u, mantendo-se este com o seu som diante dessa vogal a, posteriormente assimilada pelo e, seguindo-se a crase.
O segundo diz respeito à palavra sequência, cujo étimo é latino (sequentia) e contém o grupo qu seguido de uma vogal pertencente a uma sílaba longa. O mesmo acontece com os étimos de sequela (sequella) e tranquilo (tranquillu-), entre outros.
Acontece que o momento de entrada destes últimos vocábulos no Português foi tardio. Os primeiros registos conhecidos são do séc. XVI (consequência, delinquente, eloquência, eloquente, frequência, frequentar, sequela) ou XVII (equestre, do francês équestre, do latim equestre-; equídeo, equino) ou mesmo XIX (tranquilo, ubiquidade, do fr. ubiquité, equidade, do fr. équité, do latim oequitate-, bem como outros vocábulos com o elemento culto equi-, designativo de igualdade, proveniente do latim oequi-).
Assim, estes vocábulos não sofreram a evolução fonética das palavras que vieram por via popular, mantendo a pronúncia próxima da do étimo latino.
A terminar, refira-se que a evolução da pronúncia das palavras tem causas variadas, sendo uma delas a contaminação com outras palavras, as analogias que os falantes vão fazendo, até que uma variante se constitui como norma devido a um conjunto de condicionalismos por vezes não totalmente esclarecidos.